Carlão: “A história da minha vida é um melting pot”.
Poeta contemporâneo, mordaz nas palavras, incisivo no olhar e apaixonante na entrega, pode nunca ter pertencido a lado nenhum mas, na sua senda, Carlão acabou a criar um espaço único. Verdadeiramente seu.
É com a canção que dá nome ao álbum que a jornada de Entretenimento? desponta. Para esse princípio de caminho, Carlão retirou-lhe o ponto de interrogação do título, numa espécie de tomada de consciência que, na era actual, uma boa parte da existência é encenada como de um circo se tratasse, onde os mais incontornáveis e fundamentais assuntos podem ser encarados, precisamente, como entretenimento. Quando se coloca a vida, a alma e a essência num só lugar – como Carlão faz com a sua música –, os contornos como tudo isto poderá ser apreendido apresentam-se (lá está) como uma imensa incógnita. E qual é o seu lugar no meio disto tudo? É essa a pergunta do título.
Mas há muitas outras perguntas que sempre marcaram Carlão: onde é que, efectivamente, pertence? Em termos de raça, de música, de experiências? Porventura – e é ele quem o assume –, a verdade é que sempre pertenceu a toda a parte e nunca pertenceu a parte alguma, o que acabou por dar-lhe a capacidade de apreender o mundo de uma forma ímpar e, no embalo, retratá-lo, também, de um jeito único. Até porque nada dos últimos 20 anos era expectável: o rapaz que estava a tocar baixo quando o irmão lhe entregou o microfone, o letrista que se debruçou na leitura para compreender o poder da sua própria palavra, o homem que depois de ter feito história na música portuguesa deu um passo atrás e se afastou do género que lhe deu preponderância. Só que as rimas, o poder da palavra disparada, tão aguçada quanto uma faca mas também tão gentil como um afago amado, falaram mais alto. Finalmente, em 2015, arriscou-se com Quarenta, o seu primeiro álbum em nome próprio, ao qual sucedeu, três anos mais tarde, Entretenimento?. Em “Até Já”, que fecha o segundo capítulo desta sua (nova) história, Carlão assume que fazer um disco arranca-lhe sempre pedaços – da vida e da alma. Questiona, ainda, se algum dia fará o disco da sua vida ou se já o terá feito sem que desse por isso. São mais (e novas) perguntas a marcar Carlão. Porém, é também em “Até Já” que o presente e o passado dão lugar ao futuro: “’tá feito, venha o próximo”.