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Bon Iver

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22, A Million

 

22, diz ele, é o número de Bon Iver. Um milhão, digo eu, será a multiplicidade de olhares que cabem na sua música. Senão, oiça-se o álbum que responde por esse nome.

Os primeiros momentos de 22, A Million atiram-se, de imediato, ao desconcerto que representa o terceiro longa-duração de Justin Vernon enquanto Bon Iver: os elementos de electrónica (des)associados de uma base melódica jazz, numa união bizarra, onde a delicada voz aparece como o gancho que teima prender “22” à superfície. Todos estes elementos estão presentes ao longo do álbum – a maquinaria que, por vezes, conspurca a clareza vocal, dando-lhe uma outra profundidade; as bases folk que, agora, são substituídas por programações que nem sempre parecem encaixar-se nos trâmites habituais do que se conhece no formato-canção; as palavras marginais de quem carrega uma extrema incerteza mas que, ainda assim, teima não desistir. Por mais desoladora, contemplativa e escura que a realidade possa parecer.

Muito mudou em Bon Iver desde o registo homónimo que editou em 2011. O artista que Kanye West considerou o melhor da actualidade – e, a julgar pelo auto-tune de 22, A Million, West deverá ser, igualmente, fã deste disco – deixou para trás, quase em definitivo, os traços folk que estavam escancarados em For Emma, Forever Ago, o álbum que o apresentou ao mundo em 2007. Quase uma década mais tarde, Bon Iver só não mudou a sua perspectiva da vida – uma rotina diária de tropeções, espirais descendentes, melancolia e estranheza. E, já que se fala em estranheza, assuma-se essa identidade em 22, A Million – começando nos nomes das canções, passando pela sua instrumentação e pelas suas estruturas.

Porém, ainda há instantes reminiscentes do que anteriormente se conhecia como Bon Iver – “666” pode viajar até uma realidade 80s e, um pouco por todo o disco, as referências religiosas vão surgindo, mas a âncora com o passado acaba por aparecer, no magnífico “8” ou nos coros de “00000 Million”, acompanhados por pequenos lamentos a preto e branco, como as teclas do seu piano. 22, A Million, no entanto e no seu todo, vive num terreno cinzento, uma amálgama sonora onde o que carrega pleno sentido é a total ausência de sentido. É essa a sua profunda emoção – expressa na coragem e determinação de um autor que não teme manipular-se a ponto de se tornar (quase) difícil reconhecê-lo. 22, A Million é soul e jazz; é ondulante e críptico; é dramático e imprevisível; ousa tornar-se orgânico na sua overdose sintética – e é tudo isto que o torna marcante. O disco que nasceu entre a inspiração de Santorini e as ruas de Londres e Lisboa, marca, sobretudo, pela sua diferença.

A primeira frase de 22, A Million pode ser “It might be over soon” – mas essa assemelha-se a uma tremenda mentira. Afinal de contas, este parece ser, apenas, um novo caminho para Bon Iver. Tortuoso, claro, mas ele não o sabe fazer de outra forma.

Ana Ventura Ana Teresa Ventura trabalhou na Blitz durante dez anos e hoje podemos vê-la tanto em festivais de verão cobertos pela SIC, como na sua rubrica, M de Música do programa Mais Mulher, na SIC Mulher.

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