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Da Chick: “Isto tudo estar a acontecer, é incrível”

Da Chick: “Isto tudo estar a acontecer, é incrível”
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Um concerto, um grupo de amigos e um mail – eis as coordenadas para a realização de um sonho.

 

Só é miúda no nome – de resto, Da Chick é mulher com M grande. E é uma mulher no meio dos homens: é assim que se sente bem. Assume-se confortável na postura de “black mamma” e a sua música é tão colorida quanto o seu discurso. Pode estar a viver uma espécie de sonho americano e a sua obra pode levar a viagens até ao funk e ao disco da Nova Iorque dos anos 70 mas é em Lisboa que se sente em casa. Da Chick não sonha a dormir porque está, literalmente, a sonhar acordada. Um sonho feito de ritmo, groove e uma estética cuidada. É assim a sua música.

 

O concerto

A 12 de Março de 2009, Teresa de Sousa vai ao Lux-Frágil, em Lisboa, para a actuação de Maral Salmassi [artista de origem iraniana, baseada em Berlim, devota ao tecno e ao electro, em actividade desde os anos 1990].

“Incrível: não me lembrava que já tinha contado isto a alguém.  É verdade. Foi em 2009? É capaz. Fui ao Lux – nessa altura, ia algumas vezes, seguia a Discotexas, o Moullinex e o Xinobi, era fã e uma total desconhecida para eles –, ver um concerto de Maral Salmassi porque tinha curiosidade e senti… Resumindo, saí de lá a pensar “eu consigo fazer isto ainda melhor”. Não foi logo instantâneo mas foi um bichinho que ficou aqui – é óbvio que já tinha gosto por música. Nessa altura, estava mais no mundo do electro e, passados alguns meses, não sei precisar quantos, surgiu a oportunidade de fazer música com uns amigos e surgiu a Da Chick”. Na memória de Teresa pode ser tudo rápido mas sigam-se os vários passos.

 

O grupo de amigos: senhoras e senhores, eis os Refill.

As primeiras pistas para aquilo que hoje se conhece como Da Chick são dadas ao lado dos Refill, uma dupla de amigos que lhe lança o desafio de fazer as primeiras canções. “Eram o Mike El Nite e outro amigo nosso [Miguel Caixeiro e Tiago Pereira], lá da Zona T. Eles também estavam a começar o seu projecto, a produzir música electro, coisas mais hip hop, um bocado trashy também. Fizeram um beat e sabiam que eu gostava de música, que tinha à vontade para me expressar, que tinha aquele groove e que já usava aquelas expressões de black mamma… E pronto: escrevi uma música sobre o meu rabo – que é o “My Booty””. “My Booty”, dos Refill ft Da Chick, surge no MySpace e “teve um feedback um bocado inesperado. Continuei a fazer música com eles mas, entretanto, [outros] produtores começaram a falar comigo para produzir para mim – como o Blare e o Manaia. A coisa foi crescendo”. Eis senão quando o olhar de Teresa se perde para lá do mundo electro: “comecei a descobrir um bocado mais o disco e, intuitivamente, fui parar mais a esse registo, a deixar um bocado o electro para trás e a fazer coisas mais nu disco”. Rendida à soul, ao funk e ao disco, Da Chick queria ir mais longe – mas precisava dos parceiros ideais. A escolha foi óbvia.

 

O mail

Em 2012, Da Chick decide escrever à Discotexas (ou seja, a Moullinex e Xinobi).

“Quando chego aqui, penso “com quem é que posso trabalhar que me vai ajudar a fazer música neste universo?” Lembrei-me de duas pessoas de quem era fã, o Moullinex e o Xinobi: mandei-lhes um mail a perguntar se sabiam quem eu era, se gostavam de fazer música comigo…  E fui até ao estúdio – que, agora, é a minha segunda casa”. Rapidamente, tornou-se um dos membros da família Discotexas. “Fui logo muito bem acolhida: a primeira coisa que fiz foi uma música para o álbum Flora, [a estreia] do Moullinex [em 2012], depois produzimos o meu EP, Curly Mess, depois veio a Discotexas Band… Foi um desencadear de coisas muito espontâneas: é importante referir isto – nunca nada foi muito pensado, [com a Discotexas] foi acontecendo, oportunidades e novos projectos. E, depois, há o partilhar o gosto por música, partilhar o gosto pelo mesmo tipo de música e sermos pessoas que têm muita vontade de crescer, de continuar a fazer isto e não parar. Agora, somos irmãos”.

A apresentação, em disco e em nome próprio, dá-se, efectivamente, com o EP Curly Mess, em 2012, mas só três anos depois edita o primeiro álbum, assumindo que essa foi a travessia necessária para que se sentisse preparada para contar uma história do início ao fim. Pelo meio, desdobra-se noutras colaborações, de HMB a Memória de Peixe ou Cavaliers of Fun. Vai, igualmente, acumulando marcos: se, em 2011, venceu o Optimus Live Act, em 2015, arrecadou o prémio revelação nos Portugal Festival Awards.

 

Em Chick To Chick, todas pistas do passado surgem claras e directas: a dupla face do título reflecte os dois olhares da sua autora, misto de menina vulnerável com diva confiante. As canções impõem uma verdadeira viagem no tempo e no espaço – Da Chick descola de Lisboa no século XXI mas aterra em Nova Iorque, nas ruas quentes retratadas na blaxpoitation. Na verdade, há algo verdadeiramente cinematográfico na sua música, a lembrar clássicos como Shaft – até o nome, “Da Chick”, é reminiscente a “Chick Habit”, presente na banda sonora de À Prova de Morte, de Quentin Tarantino. O que faz sentido, já que a sua música sempre viveu de mãos dadas com a sua imagem: “este mundo disco e este mundo funk vive muito do groove e da cor em que estão inseridos”. Por isso, as canções ganham um colorido ainda mais garrido quando são encenadas em palco. “Não consigo ir para um concerto num registo simples, temos que ir todos na mesma onda, todos a mostrar que estamos a fazer a mesma coisa. É uma diversão e é o que a minha música é também: acaba por ser toda uma combinação de alegria e de groove, desses anos cheios de cor”.

Se, quando encena um espectáculo, nada parece vetado ao esquecimento…  é porque não é mesmo. “Quando sei que vou para aquele palco, nessa semana, já sei o que é que vou fazer, já tenho o live pronto e já sei o que é que vai acontecer. No [Nos] Alive [em 2016], tínhamos aqueles calções de muay thai: comprei-os três meses antes, quando fui à Tailândia. Comprei a pensar “isto é para o Alive”. Dei os calções aos boys, disse “guardem, não vistam isso até ao Alive, é vosso, é um presente,  mas isto é para o Alive. Gosto mesmo de fazer isto e gosto mesmo de estar em palco”.

Da Chick vai reforçando a ideia de que nada é sobejamente planeado – responde por Da Chick porque “tinha que ter um nome no MySpace, para meter as minhas músicas, e foi isso que aconteceu”. Porém, nada “disto” parece “por acaso” – e tudo o que diz respeito a Da Chick tem a sua marca: no que escreve, sim, mas também na forma como a música é revelada. A transposição para o palco é um upgrade, quer nos instrumentos quer com a crew de bailarinos que a acompanha – os seus “boys”. “Existe um sentido mas não é que sejam coisas muito pensadas. É importante, para mim, o nome das músicas, o nome do álbum ter a ver com aquilo que somos e com aquilo que a música reflecte. São partes deste processo que gosto de fazer: a imagem, os nomes, toda a parte visual é uma coisa que me dá muito prazer e com a qual tento brincar um bocadinho”.

Em concerto, o universo Da Chick multiplica-se: e não é só porque a sua autora é imparável. Não abre mão da companhia dos “boys” nem de Mike El Nite mas ainda pode ser acompanhada por sopros, por guitarra, baixo… Uma coisa é certa: ela é a miúda mas os seus companheiros são todos homens. “É como eu gosto, não te sintas ofendida (risos). Sinto-me bem, não sei porquê. Gosto de trabalhar com o lado masculino da coisa. Gosto de ter rapazes a dançar ao meu lado, gosto desta atitude que, depois, ajuda a tornar a coisa um bocadinho “badass”, de certa forma. Para mim, é positivo. Não é que não vá trabalhar com mulheres, claro que não, mas gosto e sinto-me confortável [a trabalhar só com homens]”.

 

Da Chick pode estar a tornar-se um sério caso de sucesso em Portugal – mas os horizontes do seu olhar não se ficam pelo seu país-natal. Começou 2016 a representar Portugal no Eurosonic, na Holanda; seguiu ainda para actuações em França ou Espanha. Em que é que estas experiências além-fronteiras resultam efectivamente? “Resultam na minha felicidade. É um objectivo que tenho e ter essa oportunidade é óptimo – expandir a minha música e a Da Chick começar a ser alguém lá fora. É o que quero fazer no futuro: cá dentro também, como é óbvio, mas ir lá para fora, espalhar um bocadinho Da Chick”. Não se pense, porém, que Lisboa algum dia vai deixar de ser a sua morada. “Já tive oportunidade de visitar outros países e cidades e acabo sempre por ficar com saudades de Lisboa e aperceber-me de quão perfeita esta cidade é versus outras. Tenho esse objectivo de expandir a minha música e ir lá para fora, passar temporadas lá fora mas com o objectivo de voltar sempre para casa porque não há cidade como Lisboa”.

 

A miúda que nunca o vai deixar de ser já partilhou o palco com grandes vultos: em Novembro de 2015, foi chamada por Peaches para o palco Tanque do Vodafone Mexefest; no ano anterior, em Julho, foi responsável por abrir o concerto da Earth, Wind & Fire Experience (a actualização do mítico colectivo de soul e funk dos anos 70, que Teresa assume como uma das suas grandes influências, com Al Mckay e Michael Harris como únicos membros originais). “Foi incrível”, recorda. “Quando o meu agente me disse que isso ia acontecer pensei que ele estava a brincar. Quando percebi que era verdade fiquei… Nem sei… Fiquei muito contente e… Essa oportunidade de abrir para Earth, Wind & Fire foi incrível, foi épico – apesar de já não ser a banda original, é incrível na mesma”.

Incrível é, também, a forma como Teresa descreve o trajecto que Da Chick tem vindo a caminhar. Qual prenúncio, em 2011, na sua página de Twitter, escreveu, “One Question: Are dreams supposed to come true?” De certa forma, é precisamente isso que tem vindo a fazer na última meia década. “Isto é um “dream” muito recente. Aliás, eu tenho muitos… O problema é eu não viver propriamente neste planeta. Não sei se, na altura, já tinha pensado nisto ou não mas eu não tenho sonhos: acordo e são raras as vezes em que me recordo dos sonhos. Ou dos pesadelos”. Não sonha a dormir porque, enquanto acordada, os seus sonhos já se estão a realizar. “É isso. Exactamente. Acho que está aqui a acontecer qualquer coisa boa e qualquer coisa com que comecei a sonhar há pouco tempo e que… É bom: eu vivo um bocado fora daqui. Não é que eu tenha muitas ambições nesta vida”. Mas tem algumas, claro: ser feliz “é, sem dúvida, a minha maior ambição. E fazer aquilo que me faz feliz”. Que não restem dúvidas, no entanto, que é na música que Da Chick se sente feliz: “Isto tudo estar a acontecer, é incrível – mas também é preciso trabalhar para isso”. Juntem-se as mãos para Da Chick e… let’s do tha clap!

Ana Ventura Ana Teresa Ventura trabalhou na Blitz durante dez anos e hoje podemos vê-la tanto em festivais de verão cobertos pela SIC, como na sua rubrica, M de Música do programa Mais Mulher, na SIC Mulher.

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