Throes + The Shine: “Enfeitiçar um feitiço bom”

Num dialecto angolano, Wanga significa “feitiço” – e, de certa forma, é isso que, desde 2011, os Throes + The Shine têm vindo a fazer. Com Wanga, misturaram dois estilos que pareciam não poderem acasalar. Com Wanga, fizeram uma carreira partindo de acasos. Com Wanga, deixaram rendidos público e crítica. Wanga é o título do seu terceiro álbum mas é também o sinónimo perfeito para a obra dos Throes + The Shine.
Dizia Rui Veloso, do alto dos seus Mingos & Os Samurais, que não se ama alguém que não ouve a mesma canção – a união entre os portuenses Throes e os angolanos Shine veio provar que o pai do rock português estava enganado. Músculo rock adornado de electrónica com alma de kuduro: assim são os três lados que, com um pequeno sinal “+”, deram origem a uma nova banda.
A ideia de união de dois projectos com contornos tão distintos era tudo menos provável.
Marco: o projecto surgiu como um pequeno acaso porque nos encontrámo-nos numa discoteca no Porto. Realmente, a fusão destes dois géneros não era algo que parecesse muito óbvio de se fazer mas começámos a olhar para alguns pontos que ambos têm: o rock é um género que consegue ser muito energético, o kuduro é isso, é energia, é dança, é um género musical muito focado em ritmos fortes… Lá está: acabam por ter esse tipo de energia que consegue viver em simbiose. Sem grandes problemas.
Tudo começou no Inverno de 2010, no Festival Náice, no Plano B, não é?
M: aí combinámos fazer alguma coisa mas ficou muito no ar. Acabámos por só nos encontrarmos numa sala de ensaio passado cerca de meio ano.
“O rock é um género que consegue ser muito energético, o kuduro é isso, é energia”
Como é que acabam a fazer o “Mais Raras”, para o Bodyspace, em 2011?
M: eu e o Igor tínhamos sido convidados para fazer uma videoteca para eles [Bodyspace]: os The Shine tinham falado connosco na altura do festival Náice e achámos que podia ser uma boa ideia fazer algo diferente na segunda música. Acabámos por fazer essa colaboração – e foi daí que nasceu a banda. Foi essa a primeira música que fizemos: logo no primeiro ensaio.
E, de repente, à pressão, têm que preparar um concerto para daí a duas semanas…
Diron: na altura, não era nada difícil, era mais fácil – porque nunca se tinha feito antes: misturar kuduro com rock. Era a primeira vez que estávamos a misturar: nós tínhamos o kuduro, os Throes tinham o rock – basicamente, era só misturar. Claro que tivemos que nos fechar no Stop [antigo centro comercial, no Porto, tornado complexo de salas de ensaios] durante uma semana e meia, sempre a fazer música: conseguimos fazer sete músicas, para tocar no Milhões de Festa [festival que decorre, anualmente, em Julho, em Barcelos]. E foi ali que rebentámos com a cena. (risos) Depois de fazer um disco todo com uma mistura de kuduro com rock torna-se difícil fazer mais um disco onde voltas a meter kuduro com rock.. já fizeste uma vez, tens que [te] reinventar. Por isso é que eu digo que foi mais fácil fazer pela primeira vez.
Igor: além disso, os concertos não eram propriamente sempre iguais: havia muitas alturas em que improvisávamos, as músicas não saíam bem da mesma forma todas as vezes que as fazíamos – havia alturas em que se estendiam um bocado mais, noutras eram um bocado mais curtas… Dependia do momento e da receptividade do público.
O primeiro álbum é gravado quando o grupo está junto, apenas, há cinco meses – e, para deixarem logo tudo claro, chamam-lhe Rockuduro.
I: é isso mesmo: puro e cru.
No segundo capítulo, editado em 2014, porém, logo no título, anunciam que havia mais por aqui, quando lhe chamam Mambos de Outros Tipos…
I: acho que a piada toda é um bocado essa – quando fizemos o primeiro disco, Rockuduro [de 2012], cada um tínhamos o seu background. Eu e o Marco tínhamos o background mais ligado ao rock, pode-se dizer também ao punk e ao hardcore; eles tinham a cena mais afro… Aí, foi mesmo aquela mistura de culturas. Mas, depois, andámos em tour, passámos muito tempo juntos e tanto nós lhes mostrámos coisas a eles quanto eles nos mostraram muita coisa do background deles, do que eles costumavam ouvir. A partir daí, procurámos sempre novas sonoridades: começámos a misturar mais estilos sul-americanos, música electrónica – e, aí, fizemos o segundo disco; o terceiro disco, foi ainda mais a fundo, nesse aspecto e o quarto ainda vai ser mais!
“Depois de fazer um disco todo com uma mistura de kuduro com rock torna-se difícil fazer mais um. já fizeste uma vez, tens que [te] reinventar”
Em Wanga, de 2016, há muita coisa que surge diferente nos Throes + The Shine. Terem um produtor externo, ainda por cima mais ligado à electrónica mais directa como é o Moullinex, mudou muito o processo de trabalho?
Mob: de certa forma, acabou por alterar alguma coisa: viemos com uma determinada ideia e, quando chegámos ao Moullinex, ele incutiu-nos outras ideias, do que ele tem feito, das experiências que tem. Em certas músicas, disse-nos que talvez fosse melhor fazer de outro jeito – e foi assim que o disco foi desenvolvido.
O vosso caminho, de certa forma, parece feito de forma muito veloz: passam uma boa parte do tempo além-fronteiras… Aliás, em 2013, já estavam a actuar no festival de Roskilde.
M: não é uma gestão muito complicada. Temos a felicidade de termos um tipo de música que acaba por facilitar a inclusão em festivais de géneros muitos diferentes: temos a parte que convence mais as pessoas ligadas à world music mas também temos uma parte mais contemporânea, que nos permite entrar em festivais como o Super Bock Super Rock, por exemplo. [Passarmos por muitos eventos distintos] tem esse lado muito positivo que é podermos conviver com artistas de géneros muito diferentes, em sítios muito diferentes – que acabou por influenciar muito o Wanga. Todas as colaborações que temos, tirando a Da Chick, foram colaborações que aconteceram por conhecermos as pessoas durante as tours. No futuro, o nosso objectivo, é continuar nessa senda: encontrar coisas que, para nós, são novas e tentar que isso nos influencie de alguma forma.
Em, apenas, cinco anos, são apontados como banda a seguir, pela revista francesa Les Inrockuptibles, e têm “Guerreros”, um dos singles de Wanga, a estrear na norte-americana Billboard…
M: não tem sido um crescimento explosivo mas tem sido um crescimento sustentado. De ano para ano, tem sido sempre melhor: no ano passado, lançámos o disco mas, este ano – só até Julho –, já demos mais concertos do que no ano passado inteiro! Lá está, as coisas vão evoluindo a pouco e pouco mas nós também temos trabalhado muito nesse sentido: todos os anos temos feito concertos em festivais de showcase, como o Eurosonic, o Womex, coisas desses géneros – em bandas do nosso porte é muito importante fazer esse tipo de trabalho porque são montras que nos permitem chegar a um grande número de pessoas que marcam concertos, que fazem mil e uma coisas nesta indústria. Se fizermos um bom trabalho lá, é óbvio que as coisas vão evoluindo.
“O nosso objectivo é encontrar coisas que, para nós, são novas e tentar que isso nos influencie de alguma forma”
A verdade é que vocês vivem muito da energia dos vossos concertos – e não deve ser fácil transparecer essa energia para um álbum.
I: acho que, nos dois primeiros discos, tentámos realmente fazer isso e chegámos à conclusão de que não o devíamos tentar fazer. Devíamos tentar fazer música que fosse agradável aos ouvidos das pessoas e depois… São coisas diferentes: um disco é um disco e um concerto ao vivo é um concerto ao vivo. Ao vivo, realmente somos isso mas nós somos algo mais do que isso – e é isso que demonstramos no disco.
Wanga é “feitiço”, correcto? Assim sendo, qual é o wanga dos Throes + The Shine?
Mob: para mim, e para nós, o nosso wanga é meter as pessoas a dançar e a vibrar. Isso é o mais importante. Enfeitiçar um feitiço bom. Contagiar as pessoas de qualquer maneira: é impossível, num concerto de Throes + The Shine, encontrar uma pessoa parada. É impossível! Mesmo que seja um bebé, ele vai estar lá a abanar a cabeça. Esse é o nosso wanga: enfeitiçar as pessoas.