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Slow J: “Este álbum vai ser algo muito especial”.

Slow J: “Este álbum vai ser algo muito especial”.
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Se não fosse um coração partido, esta história podia ter sido completamente diferente.

 

Assume que tem uma relação obsessiva com a música que, ao mesmo tempo, é a sua verdadeira terapia de vida. No meio do caos e frenesim da sociedade moderna, Slow J aposta no movimento oposto. Apresentou-se com um EP que questionava o que aconteceria se os bens essenciais fossem gratuitos mas o grande passo chegará com The Art of Slowing Down, o primeiro álbum. As palavras são dele, as lições servem para todos.

 

Em 2015, subitamente, surge, para download gratuito, o EP The Free Food Tape. Nele, descobriam-se sete canções, com o hip hop como âncora mas com muitos outros olhares, do jazz ao dubstep, do r&b à soul. Slow J é tudo isto. “Podia ter feito sete músicas muito parecidas umas com as outras, [mas] nunca quis fazer isso porque quero que a única coisa a que te possas agarrar quando ouves Slow J seja à voz, a mim. [Quero] Que esse seja o elemento que unifica: podes estranhar tudo, todos os instrumentais, mas, a partir do momento em que gostes de uma das músicas, vais perceber todas as outras”. Claramente, foi essa a sua intenção, para que não o colocassem em nenhuma “gaveta” estilística. “Conseguiram meter-me um bocadinho na do hip hop – tenho algum orgulho nisso também –, mas, para mim, o meu maior objectivo é fazer aquilo de que gosto. Era prioritário que não estivesse preso a nada específico”. De certa forma, toda a sua história é feita, precisamente, de liberdade – mas também de uma tremenda persistência.

 

“O objectivo é contar uma história” anuncia nas primeiras palavras de The Free Food Tape. E há, por aqui, uma história que merece ser contada. Nasceu João e tem em Setúbal o porto de abrigo – daí descrever-se, também nesse EP, como “o som do Sado”. Porém, chamar a Setúbal a sua casa poderá não ser exacto: em menos de uma década de vida, já se tinha mudado uma dúzia de vezes. “Das coisas que mais invejo são as pessoas que viveram sempre no mesmo sítio, que conhecem as pessoas do café, que já sabem as histórias todas da zona, têm muitos amigos ali, saem à rua e estão no seu meio: nunca tive isso. Nunca tive um sítio que considere mesmo casa, tirando Setúbal… Mas, ao mesmo tempo, não é dessa maneira: é casa porque é o único sítio que identifico como tal”. No meio de tudo isto, um contínuo apenas – a música. “Sim, foi muito o meu escape, é muito a minha zona de conforto, uma constante”. É também a sua obsessão. “Desde miúdo, sinto que tenho uma tendência um bocado obsessiva, em termos de personalidade… “Obsessivo” é a maneira mais feia de dizê-lo mas também é bonito porque gosto de sentir que sou extra-dedicado. Ao longo da minha vida tive várias coisas em que me foquei muito: começou com pessoas, melhores amigos, pessoas que adorava, via que as coisas que elas faziam reflectiam-me muito”. Em criança, embrenhava-se nos livros: a ponto de ser obrigado pela mãe a apagar a luz. Andava no quarto ano mas ficava a ler até às três da manhã. “Normalmente, as pessoas lêem para adormecer – mas eu não adormecia. Se me foco numa coisa, continuo e continuo e continuo – até já não haver electricidade no corpo”.

Anos mais tarde, encanta-se pela intensidade que via nos músicos: nos concertos, achava incrível a forma como pareciam sentir-se em palco. “Tenho essa imagem de estar em Setúbal, no 12º ano… Tinha uma banda de metal, [onde] tocava guitarra eléctrica, e tinha uma pedaleira: percebi que a conseguia ligar, por USB, ao computador – geek! –, que podia sacar um programa, gravar para lá as minhas músicas e aprender no YouTube a forma de desenvolver isso. Esse momento, por mais estúpido que pareça, foi quase uma iluminação: até hoje, continuo a olhar para trás e a vê-lo como o início de viver o meu sonho. Percebi que se tiver um tecto, comida, uma cama e “aquilo”, o que consigo fazer é ilimitado, posso sempre expandir mais e mais. Foi daí que surgiu essa obsessão: foi daí que passei 10 mil horas em frente ao computador, sempre a tentar aprender, a absorver tudo”.

Para João, tornou-se evidente que a música seria a sua vida – o pai, porém, tinha algum receio relativamente à escolha do filho. “A engenharia de som surgiu porque o meu pai tinha medo que eu fosse músico e achou que era um bom intermédio – e eu concordei”. Em 2011, muda-se para Londres, onde vai estudar Engenharia de Som no SAE Institute UK. “Fui sem fazer a mínima ideia de onde é que me estava a meter: [só] sabia que estava relacionado com música. Descobri que era extremamente técnico”. Nunca chegou a concluir o curso mas, ainda assim, “foi bué útil: aprendia todo aquele conhecimento técnico nas aulas e, depois, chegava a casa e produzia – estava sempre a compor, sempre a compor música nova. Aliava essas duas partes do meu dia, que trabalhavam uma para a outra: quando estava a compor criava curiosidades técnicas que depois ia descobrir nas aulas… Foi um círculo de dois anos que foi mega-produtivo para mim – e que me trouxe até aqui”. Mas, para este “aqui”, ainda faltam alguns capítulos.

 

De volta a Portugal, em 2014, uma conversa acaba por lhe mudar a vida. “Tinha um amigo que me disse que se tinha cruzado com o Valete e que ele tinha dito que gravava ali perto. Bati a todas as portas daquela praceta – todas. Eu e um amigo meu. Até que, a um certo ponto, houve uma rapariga, de um campo de futebol, que nos foi indicar onde é era a Big Bit”. Os conhecimentos adquiridos em Londres, podiam, afinal de contas, dar frutos: sem receio, oferece-se para colaborar nos estúdios lisboetas de produção de som e imagem. “A Big Bit surgiu [na minha vida] a ir bater à porta. Subi, ofereci a minha ajuda e disseram-me que estavam à procura de um estagiário, exactamente nesse momento. Gostaram da minha proactividade, a cena de ter ido bater à porta – foi assim que consegui o trabalho”. Ao longo do tempo que por lá passou, cruzou-se com muita gente. “Foi o início de conhecer quase toda a gente da indústria cá em Portugal – muita gente passou ali, desde os Anselmos aos Valetes, estás a ver o espectro? Foi uma experiência onde cresci muito: fiz muito trabalho de que gostei, muito trabalho de que não gostei…”. Ficou na Big Bit até ao início de 2015. “Sinto que saí com muita aprendizagem, vai ser sempre uma casa pela qual tenho muito carinho”.

Estavam, finalmente, reunidos todos os ingredientes necessários para o nascimento da figura que, hoje, se conhece como Slow J. “Comecei a produzir porque me coloquei na situação em que estava no estúdio, já sabia fazer beats e havia lá um microfone: um dia, tive um “heartbreak” e escrevi a letra sobre isso. Tinha oportunidade de gravar porque já estava lá tudo”. Decide mostrar o resultado aos seus amigos mais próximos, “que tiveram uma reacção não assim tão má… Hoje, quando oiço, não compreendo como!”, confessa. Sem esse apoio, nada disto teria acontecido. “O pessoal apoiou-me bué e eu sinto que foi muito por eles, que me deram essa motivação, que segui em frente. Foi assim que cheguei a um corpo de trabalho com o qual estava contente – sendo eu muito perfeccionista”. Esse “corpo de trabalho” é, então, baptizado “Free Food Tape”: uma espécie de metáfora para a maneira de Slow J estar na vida. Ou como ele gostaria que a vida fosse: “A afirmação era precisamente essa – [como seria] se a comida fosse grátis, se eu pudesse, simplesmente, fazer música. Essa era a ideia”.

Pode ter começado no metal mas, no hip hop, Slow J encontrou o espaço para ser livre. Não é caso único. “Ouvi o Jamie Cullum – de quem gosto muito e que também vem do metal, bem antes do jazz –, numa entrevista, explicar que a razão pela qual foi para o jazz foi porque aí não lhe impunham limites, podia fazer o que quisesse. Encontrei isso no hip hop – se bem que não me considero uma pessoa que faz hip hop… Oiço muito hip hop, sou um hip-hop-head nesse sentido, mas o que deito cá para fora é música”, explica. Música em toda a sua abrangência – que funcione, ao mesmo tempo, como a sua tela em branco mas também como o espaço onde encontra a sua definitiva redenção. Em “Pai Eu”, afirma “vou lançar o som que é quem eu sou” e não restam dúvidas: The Free Food Tape é o grande cartão de apresentação para a personalidade de Slow J. “À medida que Slow J vai crescendo, sinto que me vai reflectindo cada vez mais, sinto que esse é o desenvolvimento de um artista e sinto que as pessoas [me] vão compreender cada vez mais. Sem dúvida que aquilo que ponho ali é a minha terapia, é a minha maneira de ultrapassar o dia. Se passo três dias sem fazer música, começo a dar em maluco. É a minha maneira de lidar com a vida”, explica. Se The Free Food Tape é diversa em termos de abordagem musical, é também contundente nas palavras disparadas – o groove de “Portus Calle” serve de paisagem para as suas observações sobre Portugal, ao passo que “O Cliente” é uma dissertação sobre as dinâmicas escolares. Slow J pode não se encarar assim mas o seu olhar acaba por fazer uma espécie de radiografia ao estado da nação. “Percebo que possa parecer assim mas não o faço com tanta intenção. Na minha cabeça, até parece estranho chamar-lhe “crónica”… [Sobretudo] se compararmos com um artista como o Valete, por exemplo, que é tão mais de factos e de história e de geografia, das questões reais da sociedade. As minhas são corriqueiras, do dia à dia: têm mais a ver com aquilo que me circunda, o que me está mais próximo. Mas percebo que, obviamente, acaba por reflectir a minha visão sobre aquilo que vejo à minha volta”.

The Free Food Tape mergulha num outro conceito, subjacente a toda a concepção do disco: o que é que aconteceria se os bens essenciais fossem, efectivamente, gratuitos? Para dar o mote, disponibilizou o EP, claro, dessa forma. “Não gostaria que alguma pessoa não pudesse ouvir a minha música, ou aquilo que fiz, de forma gratuita: independentemente de, depois, eu fazer dinheiro com isso ou não, quando o faço, faço-o porque preciso naquele momento. Nesse momento, faço-o de forma gratuita. Sinto que é extremamente importante que as pessoas também tenham acesso a isso de forma gratuita: imagina o que é teres a resposta para um problema gigante que tiveste no teu dia e só a partilhares em troca de dinheiro?! Parece que a nossa sociedade está limitada por isso”. Para já, a aposta parece vencedora: “A Free Food Tape tem-me dado tantos frutos incríveis, tem trabalhado por si própria… Há um ano e meio que não lanço quase nada, lancei uma música ou duas, mas parece que está sempre a crescer: a página de Facebook, as pessoas na rua a virem falar comigo… Parece que está sempre, sempre a crescer – sem eu estar propriamente a trabalhar mais para isso”. Isso é o que ele diz – mas não se deixem enganar pelas suas palavras.

2016 foi ano cheio de trabalho: actua no Meo Sudoeste, é uma das presenças no Palco Antena 3, no 22º Super Bock Super Rock, e ainda é considerado uma das passagens mais intensas no alinhamento do Sumol Summer Fest. “Digo-te: recusei muito mais propostas. Estamos a fazer as coisas com muita calma – esta foi a forma mais eficiente de fazer este Verão, de conseguirmos chegar a mais pessoas e também de conseguirmos fazer algum dinheiro sem que eu tivesse que sair assim tanto do estúdio, [para] poder continuar o trabalho”. O “trabalho” não tem data anunciada mas já se lhe conhece o nome: The Art of Slowing Down será o título do álbum de estreia de Slow J. Ao mesmo tempo que é, também para o seu autor, uma meta que teima alcançar.

“(Sorriso) Está para breve. Estou a aprender ainda essa arte mas posso dizer que tem sido um processo incrível, um processo mesmo de crescimento pessoal, de criar a vida que, realmente, quero para mim. Tem sido um processo de avaliar as minhas decisões, de avaliar as minhas intenções”. A aprendizagem vem de todos os lados – ou, como ele diz, não o poderá fazer na música se não o estiver a fazer na vida. “Vi um vídeo do Bashar em que ele falava de uma questão interessante: o facto de a nossa realidade ser um reflexo daquilo que está dentro de nós. Fala de como estamos habituados a olhar para o espelho e ver uma cara chateada – se quiseres ver um sorriso, não vais ao espelho e metes um sorriso, certo? Mas, se sorrires, se mudares o teu estado de ser, projectas isso e o espelho tem de sorrir de volta. É engraçado como nós, na vida, tentamos mudar tudo à nossa volta sem nos mudarmos a nós, por dentro”. O nome do álbum não surgiu antes das suas canções – mas quase. “The Art of Slowing Down tem sido esse processo de começar num título que considero quase nariz para cima: “the art of slowing down”, como se este rapaz percebesse alguma coisa da vida… O título não surgiu exactamente primeiro mas já estava por ali – o próprio nome, Slow J, vem dessa essência. Chegar a este ponto e começar a compreender, ao longo do processo do álbum, que eu escolhi alcançar estas coisas – que eram, para mim, difíceis –, para mudar dentro de mim e poder chegar a este álbum que, eu acho, vai ser algo muito especial”.

Sobre o disco não fala muito mais – não se lhe conhece o princípio nem o fim. Mas já se sabe o que será o meio: um dia, no Cais do Sodré, ouviu um francês tocar trompete, na rua. Abordou-o e, hoje, essa trompete está registada para ser incluída em The Art of Slowing Down. “Está lá a trompete, sim senhora”, assume. “Em princípio, vai definir o meio do álbum. Acho que isso já é spoiler, fogo – agora, as pessoas vão estar à espera do meio do álbum!”, lança entre risos. 2016 parece ser um lugar bom para Slow J mas os seus olhos estão apontados ao futuro. “O “agora” vai ser sempre o agora. Neste momento, sinto-me mesmo muito contente e sinto que estou mesmo a crescer. Estou com 24 anos, um miúdo, e sinto que estou a criar uma realidade e uma vida incrível, para mim. 2016 é “o” ano mas é o início”. Aguardem-se, por isso, para breve, as cenas dos (seus) próximos capítulos.

Ana Ventura Ana Teresa Ventura trabalhou na Blitz durante dez anos e hoje podemos vê-la tanto em festivais de verão cobertos pela SIC, como na sua rubrica, M de Música do programa Mais Mulher, na SIC Mulher.

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