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DJ Ride: “O gira-discos sempre teve o fascínio do fruto proibido”

DJ Ride: “O gira-discos sempre teve o fascínio do fruto proibido”
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Partiu a primeira agulha com dois anos e, desde então, nunca mais deixou o gira-discos. Queria ser um músico não convencional e tornou-se campeão.

 

Conversar com DJ Ride é descobrir um eterno insatisfeito, embrenhado na curiosidade que fez com que a sua música fosse mais longe. Campeão Nacional e Mundial (com Beatbombers) de scratch, nasceu Tomás, nas Caldas da Rainha, mas conquistou o mundo como DJ Ride.

 

É DJ, turntablist, produtor e beatmaker. A esquizofrenia das suas muitas actividades reflecte-se, também, na sua amplitude de géneros, onde tanto vai ao hip hop e à electrónica quanto ao rock ou à pop. Em 2015, editou o seu quarto álbum, From Scratch, mas esta história começou há muito, muito tempo. Ainda ele era uma criança. “A minha mãe conta uma história que eu fui lá, nas costas dela, e parti a minha primeira agulha”. Tinha dois anos mas estava aberta a caixa de Pandora. “O gira-discos sempre teve o fascínio do fruto proibido: os meus pais sempre a dizerem-me que não podia mexer, que não podia estragar os discos, sempre aquela coisa muito sensível. Sempre tive um fascínio enorme por toda a magia quer do vinil, quer da agulha, quer por aquela coisa toda do analógico”. Só mais tarde é que percebeu que queria usar o gira-discos como um verdadeiro instrumento. “Nem tanto ser DJ convencional, era mais usar o gira-discos como produção, tocar com bandas, tocar com outros músicos. No fundo, ser um músico não convencional”. Tornou-se muito mais do que um “mero” DJ. Tudo começou no scratch e é ao scratch que tudo vai dar. “A base está sempre no scratch. É mais fácil chegar a casa e ir para os pratos do que ir produzir. É o meu primeiro instrumento e é o que está na base de tudo – mesmo o sampling que uso para a produção, vem quase sempre do vinil. As ideias que tenho vêm dos meus sets, da música que oiço e que passo”.

Para Ride, tudo pode servir de ponto de partida. “A inspiração vem de coisas completamente aleatórias: pode ser de um sample, de uma tarola ou de um bombo… Às vezes, compro kits de samples na net e só ali, aqueles dois ou três segundos, inspiram-te para fazer uma música inteira, só à volta daquela base. Se a inspiração fosse uma coisa que pudesses controlar não tinha piada nenhuma”. Mas, para Ride, também nada na música tem um sinal de sentido proibido ao seu olhar. Por isso, não é de estranhar que, na sua obra, coabitem trabalhos com Valete ou com Legendary Tigerman, com HMB ou com Rodrigo Amado. “Sou um bocado esquizofrénico no som que oiço – e isso é um reflexo do que oiço. Mesmo como DJ: há pessoas que adoram e há pessoas que não conseguem acompanhar. Não sou aquele DJ convencional, que está com a mesma batida do início ao fim. Gosto de fazer uma viagem e começar com hip hop ou reggae ou drum’n’bass, passar pelo rock ou pelos clássicos, acabar com uma cena mais ambiental ou anos 80 ou uma coisa que acabou de sair, há umas horas, no Soundcloud. Gosto de fazer isso – porque, senão, era só mais um”. E não, Ride não é “só” mais um. “No que diz respeito às colaborações, faço sempre  a analogia com a comida: por mais que goste de pizza, não vou estar a comer pizza todos os dias, senão, vou enjoar. Às vezes, acordo e apetece-me fazer uma coisa, noutro dia, apetece-me uma coisa completamente diferente: 90% das coisas que faço nem sequer saem do meu disco rígido. Ainda no outro dia, estava a mostrar uma fritaria que fiz, nos sintetizadores – podia ser para um filme de terror…  Aquilo não vai sair num álbum; ou então, qualquer dia, faço uma banda sonora para um filme de terror. Era fixe”.

 

DJ Ride veio do scratch. É, nas suas palavras, “mesmo o ponto de partida: o gira-discos e a mesa de mistura”. From Scracth é, igualmente, o título do seu álbum mais recente mas pode, ainda, ser uma espécie de certidão da sua existência. “From Scratch sou eu: comecei e devo tudo ao scratch. Quem diria? Ao início, gozavam comigo, “estás aí a fazer barulho com o gira-discos, isso não te vai levar a lado nenhum”, mas, no fundo, abriu-me todas as portas e deu-me tudo uma vida. Se não, se calhar, agora, estava nas Caldas a trabalhar numa cena de fast-food”. Em vez disso, no início de 2016, viu-se em Tóquio, no Japão, numa das mais conceituadas competições de DJs do mundo. “Até estar ligado à música, pouco tinha saído de Portugal – e o scratch levou-me aos campeonatos, a Londres, à Polónia, levou-me ao Japão, que era um sonho… Para mim, que sou um nerd das máquinas, da ficção científica, dos jogos de computador – aquilo parece mesmo que a pessoa está dentro de um jogo! Foi mesmo um sonho estar lá 10 dias: não deu para aproveitar muito por causa da competição – o Red Bull Threestyle. Ser seleccionado, no mundo inteiro para ir lá competir, foi um sonho tornado realidade – fui o primeiro português. Espero que haja mais oportunidades”.

Regressemos, porém, ao álbum: From Scratch. “Tem esse nome porque, a nível de produção, comprei máquinas novas, a maior parte das máquinas que estão aqui comprei mesmo para fazer esse álbum. Em termos de composição, comecei mesmo do zero: aprendi muito com uma geração nova de produtores, com o meu irmão [Holly], que é 10 anos mais novo do que eu, e com os amigos dele. Às vezes, os produtores têm muitas coisas na cabeça e, ao longo dos anos, criam vícios e eu quis mesmo quebrar com algumas regras que tinha na cabeça. Comecei do zero, a produzir, e acho que correu bem”. Começou do zero mas chamou muitos parceiros: em 13 canções, reúnem-se 13 convidados. “Tenho tido alguma sorte. Geralmente, faço a base instrumental aqui e, na maioria das vezes, mando pela net e tenho tido alguma sorte porque tem havido sempre um clique. Por exemplo, com a Capicua [que participa em “Fumo Denso], mandei o instrumental e estava no carro com o Stereossauro e com o meu road manager e estávamos a brincar, a dizer que ela só mandava a letra daí a duas semanas – e ela liga, a dizer que tinha adorado o instrumental e que já estava a escrever a letra toda. Com os HMB [que colaboram em “Ciúme”] também foi assim: ligaram logo a dizer que estavam cheios de ideias. Claro que já aconteceu o contrário: fazer uma remistura e não ser aprovada, mandar 10 instrumentais para um MC e ele não gostar de nenhum…”.

No olhar de Ride, continua a haver a essência de quem está aberto a todas as descobertas. Este percurso pode parecer recente mas já leva mais de uma década: os primeiros passos foram dados em 2004; a estreia, nos discos, dá-se com Turntable Food, em 2007. Psychedelic Soundwaves, surge em 2010, sucedido por Life in Loops, em 2012. Pelo meio, em 2011, com Stereossauro, vê-se coroado com a distinção de Campeões Mundiais de Scratch, enquanto Beatbombers. Se fosse preciso nomear um sonho de vida, repetir essa experiência vinha no topo da lista. “Voltar a ganhar campeonatos! Falando em meu nome e do Stereossauro: fazer álbuns e as colaborações – são super importantes mas ganhar um mundial… É um sonho que está à frente de um álbum: posso sentar-me aqui, fecho-me durante três semanas e faço outro álbum. Na boa. Mas um campeonato… São meses e meses, anos de treino, a idealizar…  Conseguir outro prémio, assim, grande, para mim e para o Stereossauro, para Beatbombers, era o grande sonho”.

 

Desde que começou, muita coisa mudou mas a sua sede de descoberta mantém-se imutável. “Uma das coisas que me mantém actualizado é passar horas e horas na internet, estar sempre a ver o trend do momento. Leio muito: desde blogs a revistas e a livros. Tanto vejo o top do site mainstream quer o top de um blog super-obscuro. Uma coisa que me tem ajudado muito é estar atento à nova geração de produtores e beatmakers, onde o meu irmão se inclui. Temos 10 anos de diferença e é brutal ver como ele e os seus amigos lidam com a música e com a indústria, de uma forma completamente diferente”. Numa espécie de yin e yang, Ride também se vê, agora, dividido entre a paixão pelo analógico e o fascínio pelo digital. “Isso vem outra vez de encontro à minha esquizofrenia. Adoro o digital e adoro o analógico. Comecei no analógico e tenho estas máquinas todas mas, agora, dou por mim, a fazer música só com o portátil e uns phones. Tenho placas de som que custaram 2 ou 3 mil euros e dou por mim a trabalhar com os auscultadores do iPhone”. Parece contraproducente mas não é. Ride cita, por exemplo, Skrillex, “que já ganhou não sei quantos Grammys: ele faz os álbuns todos com um portátil, com um Mac, nos aviões, nos autocarros, durante a tour, nos quartos de hotel…” Ainda não havia razões suficientes para chamar ao disco From Scratch? Venha mais uma: “From Scracth porque eu mudei a minha maneira de produzir. Antes, pensava que tinha que ter o teclado x e a máquina y e tinha que estar em casa, no estúdio. Agora, faço muita música no hotel e, se calhar, 70% do álbum foi feito só com um teclado Midi, no hotel ou no carro, todo atrofiado, só com o rato”. Entre o analógico e digital? A inovação. “Como tenho que me manter actualizado, e parte da música que faço e que passo é no formato digital, estou sempre a acompanhar, a comprar máquinas novas e software…  Não posso ser ultrapassado”. A sua inspiração, isso ele sabe, dificilmente, diminuirá. Até porque, como reconhece, “isso é o mais fácil – basta abrir o Soundcloud e ver a música incrível que miúdos de 12 anos estão a fazer, do outro lado do mundo!” Provavelmente, from scracth.

Ana Ventura Ana Teresa Ventura trabalhou na Blitz durante dez anos e hoje podemos vê-la tanto em festivais de verão cobertos pela SIC, como na sua rubrica, M de Música do programa Mais Mulher, na SIC Mulher.

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