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Ana Moura: É este o meu fado.

Ana Moura: É este o meu fado.
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Como a borboleta na capa de Moura, a menina de sorriso cativante tem feito uma verdadeira metamorfose nessa obra imensa que é o fado.

 

É autora do disco português mais vendido desta década e está habituada às mais importantes salas de espectáculos do mundo. Partilhou o palco com os Rolling Stones e fez jams em casa de Prince. É habitual dizer que o fado é a canção portuguesa mas nunca foi tão do mundo inteiro quanto na voz de Ana Moura.

A revolução de Ana Moura não começou agora – nem tão pouco em Desfado, o álbum de 2012 que se tornou o disco português mais vendido desta década. Este caminho começou a definir-se em 2003, quando se estreou nos longa-duração com Guarda-me a Vida na Mão. De lá para cá, já percorreu o mundo inteiro: actuou nas principais salas de espectáculos do planeta e até já teve, na mesma plateia, figuras tão universais quanto Mick Jagger. No entanto, de certa forma, a menina tranquila que cresceu em Coruche encontra o seu conforto na sua casa. A cada vez que parte de Portugal, aquilo que guarda na sua alma é “o jardim que tenho em minha casa – porque é cada vez mais raro eu estar em casa. Escolheria o jardim, com os meus gatinhos, que eu adoro e são a minha companhia. Para mim, é o paraíso: estar ali, a olhar para eles, naquela liberdade…  É dos momentos que tenho que me dão mais gozo – porque são raros”. E rara, também, é a história de Ana Moura.

 

No olhar do fado de Ana Moura, a mulher ganhou outra definição: já não é a figura subserviente na sua dor – há por aqui dor, como em toda a alma, mas, acima de tudo, é uma mulher independente, capaz de lutar e de vencer. De certa forma, foi isso, também que Ana Moura fez. Como tal, não é de estranhar que, ao invés de apontar como referências outras fadistas, surjam nas suas escolhas figuras como Nina Simone ou Marvin Gaye. O seu fado e a soul e o r&b de artistas como esses “têm algo em comum – que é o facto de serem duas músicas de alma. No conteúdo, mas também nas letras, há muito em comum”. Chega mesmo a visitar o legado de Simone: “esta canção que gravei no meu disco Moura, mais recente, em inglês, que é da Nina Simone – quer dizer, não é mesmo dela mas ficou célebre pela Nina Simone e, depois mais tarde, também pelo Jeff Buckley – o “Lilac Wine”, eu costumo dizer que é uma versão de um fado tradicional que é o “Um Copo, Mais Um Copo”, do Fernando Maurício. Há muitas semelhanças, no conteúdo, entre estes dois géneros”.

O fado de Ana Moura também é um fado de felicidade, feito para dançar. Quando começou a cantar, o rumo ao fado não era evidente – mas apenas para ela. A própria mãe chegou a dizer-lhe que, por muito bem que cantasse tudo o resto, Ana era mesmo fadista. “Eu acreditei – porque não foi só a minha mãe [que me disse]. Tenho várias histórias desse género: as pessoas percebiam que eu cantava fado, não sei porquê… A determinada altura, eu estava a gravar um disco de pop-rock – que nunca foi editado, nunca saiu! – e o produtor perguntou-me se eu cantava fado; achei estranho ele estar a fazer-me aquela pergunta, disse que sim, e ele pediu-me “ah, canta lá, para eu ouvir” e eu comecei a cantar, com toda a minha entrega. E, no final, ele disse “ah, é assim que eu quero que tu cantes rock””, recorda, entre risos.

Ana sabia que “havia ali qualquer coisa de especial, no fado – o fado esteve sempre presente. Desde miúda. Gosto de vários géneros de música mas os meus pais cantavam em casa. O meu pai toca guitarra – não guitarra portuguesa, guitarra clássica – e era muito comum passar os fins de semana com os meus pais, em jams com os seus amigos, e a cantarem todo o género de música – mas o fado estava sempre presente. E eu gostava do fado”.

Esqueça-se, no entanto, o fado do xaile preto e semblante carregado – aqui, os vestidos são brilhantes e festivos, os olhos sorriem e os braços abrem-se numa imensa festa. Foi isso que fez quando partilhou “No Expectations” com os Rolling Stones, no Estádio de Alvalade, em 2007. Também foi a dançar que o público do Super Bock Super Rock a recebeu como convidada da passagem de Prince pelo Meco, em 2010. Desengane-se, porém, quem pense que é, apenas, em palco que Ana Moura prima pela diferença: tanto Desfado quanto Moura foram gravados em Los Angeles, com o produtor – já premiado nos Grammys – Larry Klein; Herbie Hancock gravou com ela e as guitarras portuguesas podem surgir trabalhadas, em termos de produção, como se de guitarras eléctricas se tratassem; não bastasse tudo isto, provou que o fado também pode ser cantado em inglês, como fez em releituras, por exemplo, de Joni Mitchell. “São as influências que tenho e que acabam por se reflectir na minha música. Adoro estar constantemente a experimentar coisas novas na música – estar sempre a fazer a mesma coisa dá-me uma ansiedade enorme. Gosto de estar sempre a descobrir e a misturar o meu canto, enquanto fadista, com outros instrumentos, com outros músicos – gosto de estar sempre a descobrir coisas novas”.

No desfile de compositores aos quais dá voz, estende-se uma passadeira imponente, onde figuram nomes como Samuel Úria ou Pedro Abrunhosa, Márcia ou Kalaf. “Os meus últimos álbuns têm sido um reflexo disso mas os primeiros também: para o meu primeiro disco, convidei o Pedro Jóia para tocar comigo, convidei o Zé Pato, vocalista dos Ciganos d’Ouro, para um dueto comigo, convidei o Miguel Guedes, dos Blind Zero, para escrever para um fado tradicional, para trazer uma linguagem diferente… Já desde o primeiro álbum que eu demonstro esta minha veia de andar sempre a querer fazer coisas diferentes mas, de facto, estes dois últimos álbuns é que foram mesmo um reflexo dessa vontade de mostrar essa minha forma de viver e de sentir o fado”. E a aventura mostrou-se uma conquista vitoriosa: Desfado chegou à marca das cinco platinas, Moura entrou directamente para o 1º lugar do top nacional de vendas, sendo Disco de Ouro no dia da sua edição – seis meses depois de ter chegado às lojas, era dupla platina.

De forma quase biográfica, na imagem de Moura, o seu sexto álbum, o rosto de Ana Moura surge lado a lado com uma borboleta. Como se ali estivesse simbolizada essa profunda metamorfose que a fadista tem vindo a fazer no género que escolheu para viver. Será que algum dia esta vontade de mudar vai acalmar? “Eu espero bem que não. Espero mesmo bem que não. Aliás, tudo o que sejam decisões extremamente definitivas – na vida e na minha música – deixam-me muito ansiosa. Parece que vou parar e eu quero sempre fazer coisas diferentes… Espero poder fazê-lo… Eu sei e aceito que há-de haver um dia em que as pessoas possam não se sentir identificadas com aquilo que faça mas é uma necessidade”. A promessa, para já, fica no ar: “No próximo disco, já farei algo completamente diferente”. Não há forma de fugir à realidade – a mudança está imbuída em Ana Moura de forma tão profunda quanto o próprio fado. Talvez seja esse o seu fado…  “Isso mesmo, é esse o meu fado!”. E é também essa a sua liberdade.

Ana Ventura Ana Teresa Ventura trabalhou na Blitz durante dez anos e hoje podemos vê-la tanto em festivais de verão cobertos pela SIC, como na sua rubrica, M de Música do programa Mais Mulher, na SIC Mulher.

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