Três álbuns em três anos – é assim que Jimmy P apresenta a sua essência.
Entre Portugal e França, entre o Barreiro, Paris e o Porto. Seguia as pisadas do pai e jogava futebol, até ter descoberto que a música era a sua verdadeira vocação. Assume-se sincero e sem medo de mesclar a sua obra de muitas cores. Afinal de contas, para Jimmy P, é essa a grande liberdade do hip hop enquanto universo cultural.
O percurso de Jimmy P tem sido, no mínimo, diferente. Antes, durante e depois de muitas colaborações, foi crescendo no olhar do grande público – nomeadamente com a edição de três álbuns em apenas três anos. Não se pense, porém, que Essência, o terceiro desses registos é o culminar de uma trilogia. “Fazer três álbuns em três anos [era um objectivo] porque havia uma necessidade, da minha parte, de me impor e de me mostrar ao público, de me afirmar como um artista emergente, que pretende conquistar o seu espaço. O Essência pretende, sim, fechar este ciclo”. Fecha-se uma porta e abre-se, obrigatoriamente, uma janela. “”Pretendo fazer mais álbuns daqui para a frente, mas pretendo fazer outras coisas, noutras condições, colaborar com outros artistas que, provavelmente, não têm absolutamente nada a ver com os géneros que pratico – o rap e o r&b. Pretendo fazer coisas maiores e que possam acrescentar mais valor à minha carreira”. Unir o seu hip hop a outros géneros, não é novidade. Pegando em Essência, por exemplo, escute-se a ligação com Diogo Piçarra, em “Entre As Estrelas”. Para Jimmy P, “é extremamente enriquecedor porque faz-me crescer como artista. Mas é bom para todos: fazer uma música com o Diogo Piçarra, por exemplo, permite-me, de alguma forma, chegar a um público que não é meu por inerência e permite-lhe chegar a um público que não é dele à partida. Acho que toda a gente ganha com isso e, se a música for boa, toda a gente fica feliz e é saudável”.
Jimmy P sabe, no entanto, que nem todos encaram essa abertura com bons olhos. Em “A Bênção”, também do seu terceiro longa-duração, coloca o dedo no centro da ferida: entoa que é “demasiado branco para os pretos, demasiado preto para os brancos”, “demasiado comercial para esses otários do rap”. “Se vires bem, um dos pilares do que é o hip hop, enquanto movimento e cultura, é a liberdade”, explica. “Se há uma palavra que define o hip hop como universo cultural é liberdade. Mas as mesmas pessoas que defendem essa liberdade são as que castram a liberdade criativa das pessoas. A partir do momento em que passas a fazer música diferente da abordagem da maioria colocam-te, automaticamente, um rótulo e a tua aprovação é mais difícil”. Ele sabe bem do que fala: ”Gosto de fazer música super harmónica e super melódica e isso confunde-se, muitas vezes, com o facto de seres um artista comercial. O facto de gostares de fazer refrães cantados, de gostares de fazer raps melódicos e cantados, não quer necessariamente dizer que queiras fazer música comercial. É, apenas, uma tendência tua e algo que gostas de fazer. Essas coisas têm que ser ditas porque é assim que se traz mudança – e a mudança, muitas vezes, assusta as pessoas. Sobretudo aquelas que são mais conservadoras e mais puristas. O caminho é esse: é preciso ter esse tipo de atitude e debater esse tipo de coisa de forma saudável”.
O autor de “Não Tás A Ver” recusa seguir estereótipos misóginos e lugares comuns. “No fundo, o que acontece em mercados como o nosso – que é pequeno – é seguir aqueles que definem tendências, como o americano. A tendência natural é ir atrás do que funciona e não é novidade para ninguém que aquilo que vende, sobretudo nos Estados Unidos, é a música de cariz extremamente sexual. A música que faço é transparente e é um reflexo daquilo que sou – e a mim não me ensinaram a dizer mal ou a desrespeitar as mulheres, por exemplo, ou ser preconceituoso, de qualquer forma. Não é esse o tipo de pessoa que sou”.
Há dúvidas sobre quem é Jimmy P? Basta ouvir as suas rimas com atenção. Ele é o próprio a assumir que, através das suas canções, acaba por se expor – e à sua vida. Essência arranca com “Intro”, uma retrospectiva das conquistas alcançadas ao longo dos últimos anos. “Há artistas que são bons a personificar, a criar personagens, a inventar cenários, [mas] isso é uma coisa que não tenho a capacidade de fazer. Não consigo fazer música dessa forma. A música que faço depende imensos desses estímulos que se vivem a nível pessoal. “Entre As Estrelas” revela-se uma narração doce sobre um difícil adeus. “É extremamente pessoal porque relata uma perda muito recente que tive… Sinto que sou abençoado porque partilho histórias pessoais nas quais, felizmente, as pessoas se conseguem rever. Isso é tudo aquilo que posso fazer: música sincera e honesta. No final, a única coisa que posso esperar é que as pessoas se possam rever e que se apropriem das coisas que digo e canto e façam delas algo que lhes pertença”.
Jimmy nasceu Joel. O Joel que se tornou Jimmy no Barreiro, como alcunha, dada pelos amigos de crescimento, na Cidade do Sol. O Joel é filho de Jorge Plácido, que emocionou multidões com uma outra arte: a do futebol. Também foi no futebol que Joel – antes de se ter assumido Jimmy – achou ter o seu futuro traçado. Só que “a música começou a ocupar um espaço determinante na minha vida”. Seguindo a transferência do pai para o campeonato francês, viu-se a viver em Paris e é na Cidade das Luzes que se deixa conquistar pelo rap. Quando regressa a Portugal, ainda com o intuito de jogar futebol, tudo muda. “Percebi que não era esse o meu caminho, definitivamente: a música ocupava muito do meu tempo, faltava aos treinos para ficar a fazer música e a gravar. Apesar de gostar muito de futebol, percebi que, definitivamente, aquele não era o meu caminho”.
O Joel “assina”, então, como Supremo G. Depois integra a Crewcial – e é, nessa altura, que passa por uma emblemática etiqueta independente da história recente nacional. “A mítica Matarroa. Foi a minha primeira experiência discográfica. A Matarroa teve um papel importantíssimo porque, na altura, era das editoras que mais apoiava a música nacional independente. Infelizmente, acabou mas teve um papel fundamental”.
Em 2011, torna-se músico profissional. “Antes disso, estudei e trabalhei como gestor de uma marca de roupa. A determinada altura, apesar de gostar e de ter a ver com a minha área de estudo, percebi que não era aquilo que queria fazer para o resto da minha vida e decidi que ia deixar tudo o que estava a fazer para me dedicar inteiramente à música. Foi nessa altura que assumi o Jimmy P”. Assume o Jimmy mas não deixa de ser o Joel. “Família e amigos: quase ninguém me trata por Jimmy”.
Família: é esse um dos principais portos seguros de Jimmy P. Seja ela a família de sangue ou a outra, a de vida. Family First não é, apenas, o título do seu segundo álbum. É muito mais. “Tem muito a ver com a minha forma de estar na vida. Não tenho a sorte ou a felicidade de viver próximo dos meus pais – já vivo longe deles desde os 16 anos. Por opção. As pessoas que acabam por ser a minha família são os meus amigos e as pessoas com quem trabalho. Essa sim, é a minha família”. Se fosse preciso citar alguns dos seus “irmãos”, bastaria olhar para as parcerias que tem vindo a encetar, entre o já citado Diogo Piçarra ou DJ Ride, por exemplo. “Para mim, o objectivo, como músico, é construir pontes e não erguer muros. Isso tem muito a ver com a minha forma de fazer música. O início da minha carreira incide muito sobre participações: cresci, como músico, a participar, com outros artistas e a estar em estúdio com outros artistas e a aprender com eles. A minha primeira experiência de estúdio, a sério, foi com os Expensive Soul. Acho que é extremamente saudável e tive a felicidade de conhecer pessoalmente essas pessoas e, por acaso, identificar-me com a música que eles fazem e poder partilhar o estúdio com esses artistas, poder fazer música com eles”. Valete é outro irmão de música – e será convidado de Jimmy P no concerto agendado para o Sumol Summer Fest. Não se pense, porém, que os dois músicos poderão recriar a Batalha de Waterloo que encenaram para o Canal História. Jimmy P ri-se e confessa que isso seria extremamente difícil de acontecer “porque o Valete é uma pessoa que tem péssima memória: ele decorar letras é um problema muito sério. O que podemos fazer, sim, é partilhar o palco e reviver alguns momentos que já fizemos juntos e que, felizmente, as pessoas gostam de ouvir. Como “Os Melhores Anos”, por exemplo, que foi feito na brincadeira – ele gravou um verso naquele instrumental (que não é original, é dos Dilated Peoples); mandou-me e disse-me “olha, puto, faz aí um verso, que eu gostava de [te] ter neste tema, porque somos duas gerações diferentes”. De repente, aquilo tornou-se uma referência musical no universo cultural do hip hop”.
Estas são as muitas faces de Jimmy: o irmão dos seus irmãos, o filho do jogador de futebol (será que, um dia, será o ex-jogador a ser apresentado como o pai do músico? “Tenho muito orgulho do meu pai e daquilo que conseguiu na sua vida – mas espero que, um dia, seja ao contrário. No dia em que isso acontecer, vai ser um óptimo sinal”) mas também o homem que assume o seu maior sonho. Não, não é ganhar prémios ou acumular sucessos. Com a mesma honestidade desarmante com que explica os seus passos ou as suas opções, Jimmy partilha o seu desejo supremo: “Ser pai. É de longe o maior sonho que tenho. É algo que quero muito que aconteça e, se Deus quiser, vai acontecer daqui a muito pouco tempo”. Para Jimmy, a família nunca vai deixar de vir primeiro – é essa a sua essência.