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Buraka Som Sistema: “Uma paragem por tempo indeterminado”

Buraka Som Sistema: “Uma paragem por tempo indeterminado”
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No dia 1 de Julho de 2016, no Globaile, em Lisboa, os Buraka Som Sistema dão o seu último concerto.

 

Passaram 10 anos de uma história inesquecível: dos primeiros (e arrasadores) concertos no Clube Mercado às passagens pelos maiores palcos mundiais. Pelo meio, houve um EP, três álbuns, um documentário e muitas viagens. Dez anos é um número redondo e é também o prazo para o final de um percurso incrível. Com a ausência de pudor que sempre foi a impressão digital dos Buraka Som Sistema, Riot traça o caminho que levou a esta “paragem por tempo indeterminado”.

“A história de Buraka começou em 2006 mas nenhuma história começa onde a banda começa”, explica Riot. É tentador reduzir o início desta lenda aos concertos incendiários no Clube Mercado, em Lisboa (espaço, entretanto desaparecido, que sempre foi conhecido pelas altas temperaturas a que conseguia levar os seus espectáculos). Ou talvez se possa também pensar que foi sábia a decisão de chamar ao primeiro registo, o EP From Buraka To The World. No entanto, como Riot indicava, os primeiros passos de uma das mais bem sucedidas bandas portuguesas de todos os tempos começara muito antes. “Eu e o Branko andamos juntos desde a escola secundária (desde crianças, basicamente, naquela altura em que achamos que já somos homens). Tínhamos bandas e experimentávamos coisas diferentes e acabávamos por ir mutando o nosso som, à medida que crescíamos. Começámos no rock e acabámos em Buraka Som Sistema, em 2006”.

Se, em 10 anos, muito mudou nos Buraka – com K –, também muito mudou na Buraca que os viu nascer. “Buraca com “c” acho que já não existe – com a mudança das freguesias, acho que, agora, é Águas Livres. Agora seríamos Águas Livres Som Sistema”, brinca Riot. Na verdade, “eu e o João crescemos na Amadora, não foi mesmo na Buraca: o João na Venteira e eu na Reboleira – só que Venteira Som Sistema ou Reboleira Som Sistema não ficavam bem, por isso, Buraka ganhou”, continua, bem disposto. Mas o que significa, tanto anos depois, essa Buraca que os viu nascer? “Continua a representar o mesmo que quando Buraka começou”, esclarece. “É o sítio onde vivo (continuo a viver na Amadora)  e continua a ser um sítio onde andas na escola ou no carro e podes ouvir desde Strokes ou PAUS até funáná – no mesmo carro ou na mesma turma. Foi isso que nos levou a criar aquilo que é Buraka Som Sistema: essa variedade e essa falta de pudor musical que é maravilhosa”.

De From Buraka To The World a Black Diamond, Komba e Buraka. Os discos balizam esta narrativa mas é em palco que tudo parece ganhar uma outra dimensão. E os palcos são em Portugal, sim, mas também são no mundo inteiro: de repente, a tal ausência de vergonha de estilos que tinha unido Branko, Riot, Conductor e Kalaf começava a conquistar o mundo. Sem que os próprios Buraka conseguissem compreender o que estava a acontecer. “É complicadíssimo porque parece que é uma cena que nunca acaba, é um contínuo”, tenta explicar Riot. Os Buraka podem ser conhecidos pelos seus espectáculos imparáveis mas a sua carreira também foi vivida com um pé no acelerador. “Nunca houve aquela pausa que nos permitisse fazer uma introspecção sobre aquilo que se passou. Foi uma coisa muito rápida, muito intensa, tanto internacionalmente quanto cá dentro. Acho que só a meio de 2010 ou 2011 é que nos apercebemos que éramos uma banda internacional, que era algo que se repetia todos os anos, que não era uma coisinha de um ano ou dois. Foi sempre uma viagem muito intensa – o que torna difícil marcar aqueles acontecimentos e aquelas datas fulcrais”. No entanto, há marcos incontornáveis – como quando, em 2007, viajam pela primeira vez a Londres e, na mostra de talentos que respondia por Fabric, se vêem, ombro a ombro, por exemplo, com MIA ou Diplo. Para Riot, momentos como esse “representam uma banda no momento certo, na altura certa, no sítio certo – basicamente. Representam a evolução de um trabalho e, depois, chegar e tocar em Portugal e ver o impacto que isso tem e ir lá para fora e ver que está a par com qualquer outro projecto da música electrónica. É sempre muito satisfatório: ficas feliz por saberes que estás naquele caldeirão musical que é Londres, de onde sai montes de música electrónica boa, e estás ali, a fazer parte de um line-up brutalíssimo, do qual nunca pensaste fazer parte… Claro que isso nos enche de orgulho e deu-nos alento para trabalhar ainda mais”.

Riot falou em “line-up brutalíssimo”? Então, refiram-se, alguns dos maiores festivais do mundo: Glastonbury, em Inglaterra; Roskilde, na Dinamarca; Coachella, nos Estados Unidos. Os Buraka Som Sistema passaram por todos. “Foi tudo tão rápido e aconteceu tudo tão rápido que, às vezes, só algumas horas depois é que percebíamos onde estávamos. A tocar num palco para 200 mil pessoas. Era esquisito mas era bom. Vendo em retrospectiva, foi uma viagem brutalíssima”, confessa Riot. Ainda se pode viajar “mais longe” – como até ao Fuji Rock, no Japão. Escolher “o” momento de uma história de 10 anos, avisa Riot, é impossível – porque teriam que ser, pelo menos, duas mãos cheias de boas memórias. Porém, esse espectáculo nipónico deixou as suas marcas: “perceber que estás a tocar no Japão – uma cena que nunca pensaste fazer. [Isso] Significa muitas voltas dadas, muito interesse das pessoas no que estávamos a fazer e, para mim, teve um grande significado”.

 

Em 2013, chega Off The Beaten Track, um documentário onde, em quatro “viagens”, se traçava a grande viagem dos Buraka Som Sistema até então – com coordenadas básicas apontadas a lugares-chave: Londres, Caracas, Luanda e, claro, Lisboa. “Não queríamos uma cena lamechas, aquele documentário lamechas. Queríamos que as pessoas percebessem um pouco melhor como é a nossa vida na estrada”, lembra Riot. “Sempre achámos engraçado e curioso ver como é que os artistas se comportam, o que é que fazem: se realmente vão todos de Lamborghini para os espectáculos e saem de jactos privados. [Queríamos] que as pessoas vissem como era a realidade da coisa, como é que fazemos música, como é que vamos buscar música. Queríamos mostrar ao público que, às vezes, estar sentado, numa cadeira, na internet, é proveitoso – mas, às vezes, levantares o rabo, apanhares um avião e ires à Venezuela ou ao Brasil e falares com os artistas que estão lá, é muito mais inspirador, é um investimento melhor”. A verdade é que, apesar de ter começado com as coordenadas dos ritmos de Angola, a electrónica de Londres e o espírito de Lisboa, no universo de Buraka todos os olhares tinham sempre espaço. Que é como quem diz: todas as partes do mundo cabem no planeta-Buraka. Se, aqui, há kuduro e afro-house, “também há tuki ou marrabenta”, completa. “A ideia é juntar todos os sons destes pequenos focos mundiais, que estavam um pouco obscuros e escondidos atrás das majors e de sons mais pop. É explorar a internet e perceber que há putos de 16 anos a fazer sons universais e super interessantes, na Venezuela ou no Japão. A questão é mesmo essa: ir buscar estilos que estão ali, em pequenos nichos, que têm piada e que, se pegarmos neles, conseguimos ser originais e transformá-los em Buraka”. Foi essa a grande personalidade em que se tornaram os Buraka Som Sistema: “em vez de pegarmos em estilos e dizermos “vamos fazer um som de tuki ou de kuduro ou de afro-house”, chegou uma altura em que pegámos nas influências de afro-house e de tuki e de tribal mexicano e transformámos em Buraka Som Sistema. Transformar Buraka Som Sistema num estilo foi algo inconsciente e que aconteceu naturalmente”, conclui

Porém, a viagem dos Buraka nunca se fez, apenas, de estilos ou géneros musicais. A cada novo álbum, surgia o reflexo dos périplos mundiais que iam fazendo mas a tradução não se reduzia à música. “É impossível, como ser humano, não assimilares essas experiências”, esclarece Riot. “Não é só a música que te inspira – também a vivência é inspiradora. Daí a importância de conseguires contactar com outros artistas. Fazemo-lo de propósito, procuramo-lo de propósito, para sermos influenciados por essas pessoas e por esses estilos. Enquanto produtores – de Buraka ou de outra coisa qualquer – [isso] faz todo o sentido para nós, é o nosso modus operandi”.

1 de Julho de 2016. Jardins da Torre de Belém. A primeira edição do Globaile, um evento anual que conta com a curadoria dos Buraka Som Sistema. Ainda mais importante, 1 de Julho de 2016: a data anunciada pelos Buraka Som Sistema para o seu último concerto. “Nunca achámos que as coisas deviam viver para sempre. Por outro lado, tendo dito isto: estamos a anunciar uma paragem por tempo indeterminado. Tempo indeterminado pode ser muito ou pode ser pouco. Acho que sentimos necessidade de fazer outras coisas”, explica Riot. A decisão foi anunciada no ano passado e a despedida foi sendo feita ao longo de 2016, com início em Fevereiro, em Bogotá, e com o derradeiro ponto final na Lisboa que os viu nascer. O que fica para trás? “10 anos muito intensos: não são só 10 anos de carreira nacional – a carreira internacional acompanha quase todo esse tempo. São muitos anos a andar por esse mundo fora: o que é muito bom mas tens outras ideias e queres fazer outras coisas, explorar coisas além de Buraka Som Sistema. Entre família e trabalho, resta-te muito pouco tempo. Somos pessoas que sempre gostámos de inovar e de procurar coisas novas. 10 anos é um número redondo e, ao fim de 10 anos, se calhar, está na altura de experimentar coisas novas e ir brincar com outras coisas”.

1 de Julho de 2016 pode ser a data anunciada para a tal paragem por tempo indeterminado mas não será o final desta história. Como Riot deixa claro, “2 de Julho vai ser o primeiro dia do resto das nossas vidas – não se vão ver livres de nós tão facilmente”.

Ana Ventura Ana Teresa Ventura trabalhou na Blitz durante dez anos e hoje podemos vê-la tanto em festivais de verão cobertos pela SIC, como na sua rubrica, M de Música do programa Mais Mulher, na SIC Mulher.

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