A 27ª edição do festival vai decorrer entre 13 e 15 de Julho de 2023, num novo local no Meco
O Afonso tem 24 anos mas cara de menino. Está sozinho, a sós com a sua dança, que tanto o faz movimentar o corpo quanto, em momentos mais efusivos, o leva a levantar os braços, estendendo a emoção dos pés à cabeça. Nunca pega no telemóvel nem grava vídeos que, certamente, nunca voltaria a ver. Tem um copo na mão mas não se preocupa em ir bebendo – aliás, o copo está, há muito, vazio. O Afonso não está ali para beber, está ali para dançar, para se emocionar com a música, para viver a experiência. Não conheço o Afonso mas, durante o DJ set de Jamie xx, que fechou o Palco Super Bock na 26ª edição do Super Bock Super Rock, ele revelou-se o epíteto do verdadeiro festivaleiro. Aquele que está ali porque gosta de música, porque quer vibrar, sentir, amar. O Afonso mostrou que – apesar de muitos poderem duvidar – a tradição continua a ser o que era.
Não há, em Portugal, um festival como o Super Bock Super Rock: ao longo das suas 26 edições, soube mudar, crescer, adaptar-se e, em 2022, depois de dois anos de paragem, essa “tradição” manteve-se. Quando confrontado com a impossibilidade de realizar o festival no espaço previsto, no Meco, devido à situação de contingência de risco de incêndio, o Super Bock Super Rock mudou-se para uma casa que já foi a sua – o Parque das Nações – e adaptou a sua programação a três palcos, instalados na Altice Arena, na Sala Tejo e na zona exterior ao pavilhão.
Ao longo de três dias, foi por lá que passaram os Capitão Fausto com uma orquestra dirigida por Martim Sousa Tavares mas também Mayra Andrade ou Capicua; os Foals regressaram a um festival onde já tinham sido felizes e o público vibrou com o seu rock alternativo que chegou a dar direito a mosh pit, algo que um DaBaby atrasado, estridente e incapaz de captar o público muito pediu mas nunca alcançou. Talvez tivesse – por várias razões – uma tarefa ingrata mas dificilmente alguém seria capaz de ultrapassar o furacão “C. Tangana”.
No autor de “El Madrileño” há muito de tradição – quase tanto quanto de inovação. A forma como pega em ritmos tão tradicionais quanto o flamenco ou a salsa e os transporta para os novos loucos anos 20 é contagiante, inspiradora e apaixonante. Ele não está sozinho em palco e nem este é um mero concerto – há a encenação de um clube onde se bebe, se conversa, se dança e se toca. Com ele, estão (pelo menos) três dezenas de pessoas, entre banda, vocalistas e figurantes. Ele sabe o seu papel de anfitrião e tem a generosidade de ficar em segundo plano várias vezes, dando destaque a quem o merece. Mais uma vez, chamar ao espectáculo de C. Tangana no Super Bock Super Rock um “concerto” é ficar muito aquém do que ali se viveu: aquilo a que uma Altice Arena completamente cheia recebeu, com o público a entoar, do início ao fim, canções em espanhol, entregues com uma elegância rara, foi um musical capaz de agradar até a quem não gosta de musicais.
Porém, nem só de C. Tangana se fez o 26º Super Bock Super Rock: na mesma abordagem estilística, Nathy Peluso mostrou ser capaz de saltar à corda como se de um “Rocky” se tratasse sem nunca perder o foco, a afinação ou a velocidade; se forem os “geeks” do liceu, não se preocupem – um dia podem tornar-se estrelas como são os Hot Chip e pôr milhares de pessoas a dançar com a vossa electrónica alternativa; e Woodkid voltou a dar uma aula de pop, na sua vertente mais arty e de câmara. Talvez o único amargo de boca tenha surgido com A$ap Rocky, o homem que chamou todas as atenções na primeira noite, que foi pedindo desculpa por estar “doente” mas que parecia mais determinado em percorrer um alinhamento de forma célere do que em entregar ao público as suas canções (por inteiro). Estava lá (quase) tudo mas faltou muito para se gritar vitória.
Em ano de regresso aos festivais, o Super Bock Super Rock volta a ficar para a história: como a própria Música no Coração, promotora do evento, escreveu nas suas redes sociais “a montagem são dois dias mas o Super Bock Super Rock são três”. E que belos três dias se viveram à beira-Tejo.
Foto: Bárbara Dias/World Academy