Dino d’Santiago no Campo Pequeno: um minuto de silêncio pela liberdade, uma hora de música pela vida
Que Mundu Nôbu é este que passa da voz de Dino d’Santiago para irradiar os corpos que o escutam? Que Kriola é esta pela qual ninguém consegue evitar apaixonar-se? Regressar é preciso – e o regresso não podia ter sido melhor.
Olhando à distância, mesmo de alguns (curtos) meses, quase parece que Dino d’Santiago é uma espécie de profeta. Por um lado, em 2018, mostrou que existe um Mundu Nôbu que merece ser apreciado, desfrutado, dançado, cantado, vivido. Por outro, no arranque de Abril e em plena pandemia, desvendou Kriola, o seu terceiro álbum. Nunca este mundo novo foi tão crioulo quanto agora.
As saudades eram partilhadas e o anseio tinha paralelo: Dino queria mostrar na sua “Nova Lisboa” o seu novo disco e esta “Nova Lisboa” queria abraçá-lo. Mas, em tempo de mundo novo, tudo é, também, diferente. Ele vai pedindo que todos se mantenham sentados, para que este retorno aos concertos se mantenha – depois de “Deixem o Pimba Em Paz”, este é o segundo espectáculo a chegar ao Campo Pequeno, depois do confinamento -, para que não nos bloqueiem a música como o vírus nos tapou os sorrisos. Só que apenas os mais distraídos podem pensar que os sorrisos instigados pela música de Dino podem ser escondidos por trás do uso obrigatório de máscara. Os sorrisos despertados por “Raboita Sta Catarina” ou “Sofia” não surgem (apenas) nos lábios. São disparados do coração.
Se no álbum de 2018, Dino levou a sua Cabo Verde ao mundo, em Kriola é o mundo que viaja até Cabo Verde. Este é o disco onde se sente a fina areia das praias da ilha de Santiago nos refegos dos pés, o gosto da cachupa na boca, o ritmo do funaná e do batuque a tomar conta das ancas (mesmo as menos talhadas para o fazer – isso não importa nada!). Nunca Dino cantou tanto a sua Cabo Verde e nunca Cabo Verde pareceu tanto fazer parte de todos, como se de filhos adoptivos se tratassem, agora disponíveis para um renascimento marcado por melodias e espíritos que sempre estiveram “lá” mas que só agora compreendemos. Porque, como se escuta em “Morabeza (nananana)”, o arranque de Kriola e que marcou, também, o pontapé de saída para o concerto, “não me venhas dizer que só chegou agora, essa nação crioula”. Nós é que andávamos distraídos.
Seria fácil enumerar as canções que se sucederam num alinhamento que teve tanto de equilíbrio quanto de cirúrgico, entre palavras de esperança e laivos de amor, entre mensagens de fé e contornos sensuais. Seria fácil dizer que “Nova Lisboa” já é uma espécie de hino à cidade e que “Tudo Certo” foi um balão de oxigénio quando parecia que tudo se estava a afundar. Que “Brava (Carta Pa Tereza)” (do EP Sotavento, de 2019) e “Arriscar” fazem acreditar que o poder da mudança está nas nossas mãos. Que “My Lover” ou “ Como Seria” nos dão a coragem para sermos guiados a irmos mais além.
Que Mundu Nôbu é este onde vive esta Kriola? Onde uma voz doce consegue encaminhar, com palavras e ritmos, a uma nova realidade? Porque não, isto não é sonho nenhum. Está mesmo a acontecer e está a acontecer perante os nossos olhos. Este mundo novo pode (ainda) não saber lidar com cores, cheiros e paladares diferentes mas pode ser um mundo feito de esperança. Um mundo melhor. Um mundo que, num concerto, faz um minuto de silêncio pela liberdade mas que, com o mesmo fervor, dedica uma hora a uma música feita de vida. “Branco com preto é geração de ouro”, canta Dino em “Kriolu”. E tanto que este ouro brilha!