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Isaura: “Nada se faz sozinho”

Isaura: “Nada se faz sozinho”
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Da Operação Triunfo à ModaLisboa. Da Biologia Celular e Molecular a Serendipity. Isaura tem muitas faces mas é assim que se sente confortável.

 

Assume, sem vergonha, que o que sempre quis foi cantar – e é isso que tem feito desde que surgiu, pela primeira vez, na televisão. Em 2010, participou em Operação Triunfo mas seria o reconhecimento de uma série de acasos que lhe dariam a merecida notoriedade. Depois do EP Serendipity, está de volta, em 2016, com novo single: “8” tem tanto de algarismo quanto de infinito.

 

“Se me perguntassem, agora, se entrava numa competição assim, não mas, na altura, fez sentido”, afirma Isaura acerca da sua participação no programa da RTP, Operação Triunfo. Estávamos, então, em 2010 e Isaura queria aprender. “Tenho a completa noção que o facto de ter estado na Operação Triunfo me deu um à vontade e uma percepção do que é o mundo da televisão, e do espectáculo em geral, que não tinha. Mas é um programa de televisão, mais que um programa de música. Às vezes, ponho-me a pensar que se fosse agora tinha feito diferente – eu era uma miúda”. A “miúda” tinha vindo de Gouveia, determinada em cantar mas também em fazer o seu curso de Biologia Celular e Molecular.

A experiência na Operação Triunfo, porém, nas memórias de Isaura, parece quase agridoce: se, por um lado, lhe deu a formação que ambicionava, por outro lado, extenuou-a. “Foi cansativo. Há toda a altura dos castings: quando foi o casting do Tivoli, em Lisboa, passei horas na fila, das 8 da manhã às cinco da tarde, sentada na rua; fui a outro casting às sete da tarde, depois fiquei; os meus amigos foram arranjar-me medicamentos para as dores de cabeça porque eu já não aguentava, depois fiz outro casting às onze da noite… Tudo no mesmo dia – e foram vários castings, em vários dias. Depois, foi a entrada no programa: havia diários, havia sempre câmaras à nossa volta, estávamos sempre a cantar… Eu fiquei farta de cantar!”. O volume de informação e aprendizagem também tiveram o seu impacto. “Dava por mim a fazer coisas que nem tinham muito a ver comigo, apenas porque era o certo tecnicamente. Levei muito tempo a filtrar o que tinha aprendido, a perceber que o programa era assim mas que, se calhar, não era o que eu queria fazer, a esquecer-me dessas coisas”. 

Para Isaura, por exemplo, a emoção deve prevalecer face ao lado mais tecnicamente perfeito. Prefere “uma ou outra nota que vai ao lado mas [onde] a interpretação, aquilo que se vê nos olhos da pessoa, que se vê no corpo, está lá, do que ver uma interpretação que, tecnicamente é irrepreensível, mas que parece oca. Lembro-me que uma das primeiras coisas que me disseram na Operação Triunfo foi que eu tinha muita tensão no maxilar, que prendia o maxilar – era uma forma que tinha arranjado para segurar as notas. Não só isso não é bonito, esteticamente, como é estranho e não é correcto – isso foi uma das coisas que emendei e que é positivo. Mas lembro-me que, às vezes, para ir aos agudos, dava por mim, quase, no canto lírico – consigo fazer isso mas não é isso que quero fazer. Como é que, com tanta informação, consigo transpor isto para o meu mundo? Para ficar bonito e eu ficar contente? Lembro-me que estive imenso tempo a processar tanta coisa”. Por isso, quando sai do programa, coloca a música, também, em pausa.

 

Vai, então, terminar o seu curso. Para ela, “era importante e eu tenho brio nessas coisas… Havia uma série de outras coisas que queria fazer e que precisava de aprender, de me desligar um bocadinho. No entanto, houve canções, como a “You’re All (My Heart)” e a “Useless”, que foram escritas e compostas assim que saí da Operação Triunfo – só que guardei à espera do momento para as cantar”. Esse momento chegaria alguns anos depois: “Useless”, o single, é editado em 2014. Pouco depois, Isaura chega à ModaLisboa, pela mão de Luís Carvalho. O estilista “ouviu, gostou e veio perguntar-me se eu estava interessada em ter uma versão de 11 minutos da “Useless” para acompanhar o desfile dele [na apresentação da colecção Outono/Inverno]. Fiquei contentíssima: tinha visto que os D’Alva o tinham feito na edição anterior, tinha visto o vídeo, tinha achado super engraçado como se unia a moda e a música ao vivo, ali, que aquilo jogava bem… Confiei um pouco no que o Luís me dizia, que a colecção ia ficar mesmo bem com a minha canção. Agradeci imenso e fui – foi uma experiência gira e foi o primeiro momento em que estive em frente das pessoas a cantar uma coisa minha. Foi especial”.

Não se pense, porém, que o mundo da moda a mudou ou deslumbrou. “Sou uma miúda mesmo muito simples, neste tipo de coisas. Sempre quis cantar e sempre quis fazer canções. Com isso, vem uma série de coisas que sempre vi como acessória, que já na Operação Triunfo via como acessória – a questão de as pessoas nos reconhecerem, por exemplo. Se calhar, há duas ou três pessoas que passam por nós na rua e até conhecem o nosso trabalho. Mas isso, para mim, sempre foi acessório”. A bússola de Isaura continuava onde sempre tinha estado: “onde é importante – que é fazer canções, que as pessoas gostem das canções e que eu me divirta. Fiquei contente por me terem dado essa  oportunidade, sabia que era um momento importante e muitas pessoas ouviram o meu trabalho, ali, pela primeira vez, mas não me preocupei com mais nada”.

Uma boa parte do equilíbrio e lado pragmático de Isaura chega, certamente, da sua vertente objectiva de cientista. “Aquilo que queria, realmente, fazer era comunicação de ciência, ou seja, comunicar ciência com aqueles que não gostam, que não percebem, que não têm assim tanta afinidade com ela. Portanto, fui fazer um mestrado em Comunicação de Ciência”. Não, não se pense que a música prevaleceu. Em Isaura, há espaço para esses dois lados – até agora, pelo menos. “Hoje em dia, faço Comunicação de Ciência e isso co-habita, na perfeição, com a música. Agora, a perfeição talvez seja algo duvidosa: porque estou numa fase em que a música ainda não é profissionalizada o suficiente para existir sozinha mas, ao mesmo tempo, também já não é um hobbie, é um trabalho a sério. Portanto, há aqui uma gestão que é preciso fazer mas eu sou feliz nessa gestão – são dois mundos que me complementam de uma forma interessante e que me fazem feliz”.

Um dia de Isaura? Pode perfeitamente ser repartido entre o computador e a guitarra. “Por um lado, há tudo o que é objectivo e muito preciso da ciência; por outro, há a criatividade, que nos abre as asas. Para mim, faz sentido que esses dois mundos existam porque um espicaça o outro. Não sei explicar e nem sei se isto faz sentido para as pessoas. Se calhar, fazia mais sentido estar todo o dia completamente dedicada à música… Mas há ali qualquer coisa… Quando pego na guitarra, lembro-me que estive o dia todo presa a um computador, a fazer coisas de que também gosto mas, naquele momento, estou ali a fazer alguma coisa sem regras, com as minhas regras. Isso faz-me bem, faz-me feliz.

A felicidade de Isaura também foi encontrada nos acasos: por isso, baptizou o seu primeiro EP, editado em 2015, “Serendipity”. “São acasos mas até os acasos têm uma conexão qualquer”, explica. “O que quis transmitir com o Serendipity, e com todas as histórias que contei, na altura, é que nada se faz sozinho. Percebi isso: era muito agarrada às minhas histórias, ao que tinha escrito, aos meus bebés. Para mim, era difícil que as pessoas… Não era que não ouvisse opiniões mas achava que as pessoas não compreendiam porque eram histórias pelas quais não tinham passado. O passo de olhar para as canções como o meu retrato para, depois, olhar para elas como potenciais canções que os outros vão ouvir, foi difícil, às vezes, ainda é difícil. Aquilo que percebi é que isto não se faz sozinho, que isto se faz em equipa”. No seu olhar, o facto de a sua música continuar a responder pelo seu nome próprio é, apenas, um pormenor. “Somos uma equipa: pensamos as coisas juntos, tomamos decisões juntos e remamos todos para o mesmo lado”. Quem são essas pessoas, afinal? “O Miguel Leite, o meu manager, o Luís Carvalho, o Ben [Monteiro] e o Cut Slack, que são os produtores das minhas canções, com quem eu gosto de trabalhar e que me dão a oportunidade de estar a fazer o que estou a fazer. Sozinha, eu continuaria a cantar as minhas canções no quarto – provavelmente, continuaria a ser feliz mas noutro contexto. Perceber isso foi difícil e queria mesmo que o nome do EP fosse Serendipity para não me esquecer que é assim”.

 

Com espírito de “equipa”, Isaura já retribuiu parte do que lhe deram. Por exemplo, emprestou a sua voz a “Walking Away”, que pode ser encontrado no primeiro álbum de Cut Slack, Lovers on the Line. “A música tem isto de bom: há mil e uma formas de se fazer as coisas e há mil e uma formas de se ser altruísta dentro da música. Esta canção com o Cut Slack, que saiu agora, foi escrita, composta e praticamente terminada quando estávamos a acabar o meu EP. Havia ali um clima em que aquilo estava a fazer sentido: ele mostrou-me uma canção, que queria que eu ouvisse para ver se gostava, se podia fazer alguma coisa. Gostei da canção, fez sentido e gravámos. Fico muito orgulhosa por fazer parte do trabalho de pessoas assim”.

Em 2015, também se atirou à estrada num espectáculo original, onde dividia o palco com Francis Dale. “A nossa parceria, estarmos em palco juntos, para mim, foi importantíssimo. Cada pessoa, cada banda, tem a sua energia – quando estamos com outra pessoa, em palco, temos que perceber onde é que a nossa energia cabe e onde é que começa a energia do outro. Para mim, foi um processo engraçado: comportei-me de forma completamente diferente daquilo que me comporto quando estou sozinha – e ainda bem, é sinal que respeito pelo trabalho dele. Esses limites, esses testes, até onde é que podemos ir, onde é que podemos ir juntos, o que é não faz sequer sentido fazermos juntos… Isso é mesmo muito importante”. Começaram no Lux-Frágil, em Lisboa, em Outubro de 2015, mas percorreram o país inteiro, com Ben Monteiro e Fred Ferreira como parceiros de crime. “Fomos a imensos sítios onde não teríamos tido a capacidade de ir sozinhos, porque temos EPs, pequeninos… Estarmos juntos levou-nos a imensos palcos, a rodarmos as canções, a percebermos, a vermos as reacções das pessoas… A ligação que criei com o Ben, tocar com o Fred, com o próprio Francis Dale, deixá-lo cantar partes das minhas canções e eu nas dele… É um processo que nos faz bem porque as coisas estão ali, estão gravadas mas não são imutáveis. As canções já não são nossas, quem quiser cantá-las pode cantá-las”.

Também foram as “suas” canções a bagagem que Isaura levou até ao BBC Music On The Beat, em 2015. “Foi brutal. Para já, entrar na BBC, em Londres, a redacção deles, o movimento deles… é incrível. Depois, o à vontade, a forma como nos tratam, toda a gente está na boa, toda a gente se respeita, os diálogos são mais simples. Assim que lá cheguei o que senti foi que era bem-vinda, fomos conhecer tudo (eu perguntei ao Ben se ele queria vir comigo e ele foi uma excelente companhia). Olhei e estava a Imogen Heap sentada, que oiço desde pequenina – estava toda a gente a conversar sobre música, sobre o futuro da música e eu pude cantar para eles. Foi uma responsabilidade enorme: em geral, tenho muita facilidade em controlar os nervos mas estava mesmo super nervosa. Então na primeira canção… Foi mesmo bom: sentir que estava ali, que ia cantar e que as pessoas iam parar cinco minutos para me ouvir”.

Chegados a Maio de 2016, Isaura apresentou um novo single. Se “8” pode ser um algarismo, na canção, roça mais a ideia de infinito. “Podemos ser imensas versões de nós próprios. Eu gostava de ser uma infinidade de coisas: sempre quis cantar mas sou mesmo feliz no trabalho que faço e que nada tem a ver com música. Posso fazer isso e quero fazer isso bem, e faço bem, e quero fazer música e gosto de fazer música e também quero fazer isso bem. Nós procuramos constantemente novas formas de nos expressarmos, temos sempre o que dizer e há quinhentas formas de o fazermos. A “8” diz isso mesmo: a noção de que estou neste lugar mas também estou naquele e sou feliz nos dois. Se estiver bem com as escolhas que fiz, mesmo que os outros à volta não percebam o que estou a fazer, eu estou bem”. E esta história ainda agora começou.

 

Ana Ventura Ana Teresa Ventura trabalhou na Blitz durante dez anos e hoje podemos vê-la tanto em festivais de verão cobertos pela SIC, como na sua rubrica, M de Música do programa Mais Mulher, na SIC Mulher.

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