Adele | The girl next door
Finalmente, a digressão de 25 trouxe Adele a Portugal: na primeira de duas noites, esgotadas, na Meo Arena, em Lisboa, mostrou que pode ser uma das mais bem sucedidas artistas da actualidade mas nunca deixou de ser “the girl next door”.
É difícil escolher o ponto alto do primeiro concerto de Adele em Portugal. Podia falar-se da perfeição da sua voz – que em nenhum momento falhou, mesmo nas interpretações mais desafiantes (como a própria assumiu em “All I Ask”, já a noite se aproximava do final). Ou da produção irrepreensível, a mostrar a excelência da simplicidade (do desenho do palco ao uso de telas transparentes que permitem projecções sem se perder de vista a – imensa – banda que acompanha Adele). Ou da qualidade do som numa sala tantas vezes famosa pelas péssimas condições acústicas. No entanto, o melhor do concerto de Adele na Meo Arena, ontem, foi mesmo Adele: a sua simpatia desarmante, a descontracção com que (mesmo de vestido de lantejoulas) se arrastava pelo chão, rabo no ar, para que os seus fãs pudessem tirar selfies com ela, a forma desbocada e descontraída com que gargalhava, o jeito simples com que ia praguejando, como se estivesse entre amigos. E depois, claro, houve as canções.
“Hello” deu o mote para uma noite memorável. Num país onde os atrasos são uma constante, onde os espectáculos teimam em começar demasiado tarde, Adele irrompeu no meio do público pouco passava das 20h00, exactamente com a mesma canção que anunciou o seu (tão aguardado) regresso aos discos. E, logo aí, se percebeu que este seria um espectáculo diferente: a banda estava no palco mas ouvia-se junto dela. Ela estava “sozinha” no centro da Meo Arena mas tinha dezenas de milhar de vozes a acompanhá-la – e assim seria durante as duas horas em que brilhou em Lisboa. Se as suas canções são – como a sua autora referiu – muito pouco felizes, Adele tem a língua aguçada, como uma boa inglesa. Surpreendeu-se quando percebeu a multiculturalidade do público lisboeta, partilhou aquilo que tinha feito desde que chegara à capital portuguesa – brilhante como contou que, durante a passagem pelo Rock In Rio, para assistir ao concerto de Bruce Springsteen, o próprio Boss, preocupado que ela apanhasse frio, lhe emprestou um casaco… Que ela, cordialmente, aceitou apesar de, “obviamente, não me servir” – concluiu assumindo, sem pudores, a sua dimensão física.
Adele já vendeu mais de 100 milhões de discos em todo o mundo. Já venceu Grammys e um Oscar (por “Skyfall” que, contou, apenas gravou porque lhe pediram várias vezes, ela várias vezes recusou, até que lhe disseram que ela – que baptiza os seus discos com a sua idade – tinha, na época 23 anos e aquele era o 23º James Bond). No entanto, Adele continua a ser a rapariga com que nos podemos cruzar em qualquer pub. É essa a sua principal qualidade: a forma espontânea como canta os parabéns à Catarina, a fã que subiu ao palco com o seu pequeno irmão Pedro, e que tinha um cartaz que afirmava que a véspera tinha sido o seu aniversário. Depois, claro, há a voz… Se, em disco, Adele é emotiva, em palco, é verdadeiramente desarmante. Perfeita e imaculada. Pode ter perto de duas dezenas de músicos a acompanhá-la – entre cordas, percussão, coro e um piano de cauda – mas a sua voz é o centro deste universo. Passeia-se pelos maiores sucessos – de “Set Fire Fire To Rain” (com Adele de volta ao centro do pavilhão, rodeada de água a cair) a “Rumour Has It” ou “Someone Like Me” – mas também por momentos menos populares (como a versão de “Make You Feel My Love”, de Bob Dylan, ou “One And Only”). Atrás de si, num imenso ecrã, em “Hometown Glory”, descobrem-se imagens de Lisboa; durante “When We Were Young” – que declarou ser a sua canção favorita de todas as suas canções – desfilam fotografias de várias fases da sua vida. Foi anunciando que este era o melhor público que já tinha encontrado – sim, os mais cépticos vão achar que é algo que Adele dirá a todas as suas audiências – mas a gargalhada é incontrolável quando afirma que os portugueses conseguem fazer muito barulho, “e eu já estive num concerto dos One Direction”! Há muito tempo que Adele não canta num bar, para cinco ou seis bêbados, como recorda quando viaja até 19 para reviver “Chasing Pavements” mas a sua atitude não mudou um milímetro. Por isso, quando “Rolling in the Deep” marca o final do espectáculo e, pela Meo Arena, voam milhares de confetis, (quase) faz sentido que estejam escritos, com a sua letra. Porque Adele continua a ser uma simples rapariga. Brilhante e com uma voz única mas apenas uma rapariga. Palmas.