Ao longo de quatro dias, 210 mil pessoas ocuparam o Passeio Marítimo de Algés, que volta a receber o festival entre 6 e 8 de Julho de 2023
“É a primeira vez que uma banda portuguesa esgota um festival”: é Álvaro Covões, da Everything Is New, quem o afirma durante a conferência de imprensa em que se faz o balanço da 14ª edição do NOS Alive. Refere-se o homem forte da promotora do festival, aos Da Weasel, a histórica banda que, em 2010, anunciou o seu final, deixando toda uma nação – e seus descendentes – órfã. Em 2019, no último dia de NOS Alive, o regresso da Doninha aos palcos era a grande notícia e primeira confirmação para a edição seguinte. Foi preciso esperar três anos para o reencontro… mas, caramba, valeu mesmo a pena. Já lá vamos, porém.
Foram muitos os concertos que marcaram os quatro dias de NOS Alive 2022, da doçura de Celeste à fúria dançável dos Jungle, sem esquecer o rock gingão dos Royal Blood, a energia contagiante de Florence + The Machine ou a máquina (sempre) oleada e eficaz dos Metallica. Na primeira noite, os Strokes podiam ser os cabeças de cartaz mas foi o belga Stromae, com a sua colorida fusão de Europa electrónica e África tradicional, o grande rei – entre a elegância delicada de Paul Van Haver e a criatividade multicolorida e inventiva da sua música, este ficará, para sempre, como um dos momentos mais altos do NOS Alive 2022. Também em estreia – mas no Palco Heineken –, os Fontains D.C. provaram que o rock frenético, suado e imparável está (estará sempre?) de boa saúde. Com os irlandeses, além disso, mantém-se raivoso e urgente, ou seja, recomenda-se.
Mas volte-se às declarações de Álvaro Covões: pela primeira vez, uma banda portuguesa esgotou um festival. Só que o NOS Alive, em português, não foi feito, apenas, dos Da Weasel. Aliás, esta foi uma edição onde os portugueses foram reis e senhores: da tradição actualizada de Pedro Mafama ou Rita Vian, aos ritmos dos Bateu Matou ou Fogo Fogo, sem esquecer os históricos Manel Cruz ou Três Tristes Tigres, além da curadoria de DJ Vibe com o serão Paradise Called Portugal. Nestes quatro dias, para os muitos festivaleiros que visitaram o nosso país para o NOS Alive, Portugal pode ter sido, de facto, um paraíso. Um paraíso que trouxe ao mundo os dois nomes maiores desta 14ª edição: Dino D’Santiago e Da Weasel.
Foi pequeno o Palco Heineken para a dimensão de Dino D’Santiago. Surgiu sozinho mas nunca esteve só porque trouxe com ele uma alma traduzida em música que foi recebida por milhares. A “nova Lisboa” que Dino canta foi a “nova Lisboa” (mesmo em Algés) que o acolheu – sem fronteiras nem tabus, sem cor mas com muito sabor, sem pudor mas com o impacto, o ritmo e a emoção que apenas poucos (muito poucos) são capazes de traduzir em música. Dino D’Santiago, entre a música tradicional e o olhar do presente, é um desses génios – e nós somos os grandes privilegiados por podermos disfrutar da sua genialidade. Foi histórico – provavelmente, para ele. Certamente, para nós.
E, depois, ao último dia, o concerto de todas as atenções, o melhor regresso de sempre. Foi preciso esperar os tais três anos mas quando, no sábado, os ponteiros marcavam 21h00, todos os caminhos iam dar ao Palco NOS: quando os Da Weasel puseram um ponto final no seu trajecto, os seus filhos ainda não existiam, havia de referir Virgul – e este concerto foi, precisamente, o encontro de todas as gerações. As dos pais que cresceram com a música da Doninha e as daqueles que, provavelmente, nunca tinham visto a banda ao vivo mas que, da mesma forma, trazem as canções do colectivo de Almada na ponta da língua: e no bater do coração.
Podia dizer-se que, este, foi um concerto de emoções mas seria dizer pouco. Outros adjectivos igualmente parcos poderiam ser “emocionante”ou “arrepiante”. Foi o concerto de todas as emoções, dos dois lados do palco, traduzidas em momentos acelerados como “Loja (Canções do Carocho)”, logo a abrir, ou “Outro Nível” mas também na contemplação de “Mundos Mudos” ou “Casa (Vem Fazer de Conta)”, na paixão de “Duía” ou no frenesim de “God Bless Johnny”. Pareciam muito mais do que 55 mil pessoas aquelas que entoaram a plenos pulmões “Dialectos da Ternura” ou “Re-Tratamento”, ao mesmo tempo que os ecrãs revelavam uns Da Weasel “grandes, gigantes”, sorrisos estampados nas caras, como se os sorrisos fossem capazes de traduzir um reencontro. Talvez a expressão maior deste regresso, deste concerto, deste momento ímpar, tenha sido mesmo o seu final, já com os instrumentos pousados, quando a banda se junta, entidade una, na boca do palco, ao mesmo tempo que do sistema de som brota “A Palavra – Tema para Sassetti”. Como aí, não foram precisas palavras. A corção estava todo na música: exactamente como nos Da Weasel. Pode ler-se esta homenagem a Bernardo Sassetti como o supremo sinal de que este foi, de facto, o tal “último concerto” que a banda, à tarde, em conferência de imprensa, recordava que nunca tinha dado. Ou pode ler-se esta homenagem como o olhar para um futuro ainda em aberto. Hoje, no entanto, essas dúvidas, não importam porque, ontem, fez-se História. Assim mesmo, com “H” grande.