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GROGNation: “É mesmo uma família”.

GROGNation: “É mesmo uma família”.
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Os GROGNation não partilham, apenas, um código postal – estão tão juntos na música quanto na vida. É isso que faz deles uma verdadeira família. Isso e uma imensa vontade de irem mais longe. São cinco personalidades distintas, com palavras diversas mas um só espírito e uma só linha de pensamento. Esta é uma nação sem fronteiras, para a qual todos estão convidados a emigrar.

 

Tudo começou quando os habituais jogos de bola, depois das aulas, foram substituídos por trocas de rimas. Talvez não fossem verdadeiras battles mas mostrou-lhes que tinham em comum mais do que o sítio onde estavam a crescer – e, assim, além de Mem Martins, o hip hop tornou-se a sua naturalidade e local de residência. Dão os primeiros passos em 2011 e, desde então, nunca tiraram o pé do acelerador. Editaram duas mixtapes e repetiram a dose nos EPs, até que, em 2017, sentiram que tinham a maturidade suficiente para se aventurarem nos longa-duração. Chamaram-lhe Nada É Por Acaso e deram-lhe a intensidade de um primeiro álbum, vivido como se do último se tratasse. Harold, Neck, Nasty Factor, Papillon e Prizko são os cavaleiros que afiam as espadas no universo que responde por GROGNation, uma nação que é uma família que é uma aventura que é uma história que tem que ser contada.

 

Escuteiros, espadas e um grupo de amigos

 

Foi o Nasty Factor que deu o grande pontapé para aquilo que, hoje, conhecemos como GROGNation. Acham que ele é uma espécie de pai desta família?

Harold: (risos) somos todos irmãos e precisamos sempre uns dos outros. A própria imagem, a própria GROGNation, são cinco: as pessoas associam a cinco elementos. Tentamos estar sempre representados os cinco – é assim que nos conhecem e é mesmo uma família. Ninguém é pai de ninguém.

 

Há amigos que se juntam para jogar à bola – vocês começam a juntar-se para lançarem rimas.

Nasty Factor: sim, era isso que fazíamos. Hoje em dia, [eles] ainda se juntam para jogar à bola – eu não. Mas sempre tivemos o mesmo interesse, fazíamos isso, entre outras coisas – mas, principalmente, rimar, sim.

 

Em que altura é que perceberam que estas reuniões de amigos se podiam tornar, efectivamente, uma crew de MCs?

Neck: acho que foi a partir do momento em que o Nasty Factor tomou a decisão e viu que era fiável juntarmo-nos a todos. Somos todos amigos: ele [Nasty Factor] é meu primo, eles [Harold e Papillon] conheceram-se na escola, eles [Prizko, Harold e Papillon] jogavam à bola juntos – estávamos todos na mesma zona, andávamos todos na mesma escola… Foi por aí.

 

Tinham a ideia de que só formavam o grupo se tivessem um bom nome? Como é que uma conversa sobre a melhor forma de matar carraças dá origem ao baptismo de uma banda?

Neck: fui escuteiro durante 10 anos e o Nasty também: uma vez, durante uma conversa, com um amigo nosso, ele estava a explicar como é que se tirava uma carraça do corpo de uma pessoa – tinha que se deixar a carraça “grog”. Na cabeça dele [do Nasty], “grog”, “grog”, “grog” fez sentido, queria deixar as pessoas “grog” com o efeito da nossa música, com aquilo que dizemos – e ficou assim. Juntámos o Nation e ficou GROGNation, porque queremos englobar toda a gente. Com a nossa música.

 

“Queríamos deixar as pessoas “grog” com o efeito da nossa música. Juntámos o Nation e ficou GROGNation, porque queremos englobar toda a gente”.

 

GROGNation é uma crew mas, acima de tudo, é uma linha de pensamento.

Papillon: sim, podemos dizer que sim. É uma linha de pensamento na medida em que é a junção das nossas perspectivas, que são diferentes. Acima de tudo, tentamos fazer uma junção das nossas perspectivas e criar uma linha e essa linha depois é o que é apresentado através da nossa música. Acho que é isso que representa, acima de tudo,  GROGNation: é aquela linha de pensamento que depois é perpetuada para as pessoas que nos ouvem. É a vibe e é a mensagem que transmitimos.

 

Cada um trabalha a sua própria parte, escreve a sua própria rima, e só depois é que reúnem as cinco?

Prizko: cada um escreve o seu verso mas, normalmente, estamos juntos – começamos a criar um refrão, temos o beat, criamos uma vibe, temos uma ideia para abordar e começam assim os sons.

 

A linha de pensamento em relação ao rap é a mesma mas em relação aos temas são diferentes – é essa dualidade de pontos convergentes e divergentes que vos distingue?

Papillon: sim, é como aquele ditado – “o aço trabalha melhor com aço”. Nós funcionamos um bocadinho assim: de certa forma, é como se estivéssemos a afiar as nossas espadas uns nos outros. É a convergência das ideias que cria algo mais homogéneo. Por exemplo, várias músicas nossas têm várias perspectivas – a música pode ter apenas uma palavra e pode parecer que tem só uma mensagem mas, se as pessoas perceberem e absorverem bem a mensagem e os nossos versos, cada um no seu sítio, vão ver que são perspectivas diferentes. Se uma pessoa estiver a ouvir uma música hoje, tem um sentimento e absorve melhor um verso e, no dia a seguir, tem um sentimento diferente e um estado de espírito diferente e absorve melhor um verso diferente. Acho que é por aí que conseguimos conquistar as pessoas que nos têm estado a ouvir.

 

Se há coisa que têm sempre recusado são os rótulos.

Harold: não queremos pôr a nossa música em nenhuma caixa, nem old school nem nu school – fazemos aquilo que sentimos. Se hoje acordarmos e quisermos rimar num beat do Wu-Tang [Clan] dos 90s, rimamos; se nos apetecer pegar num beat de 2017, vamos rimar. Tentamos não pôr a nossa música numa caixa ou num estilo ou num tipo de mensagem: tentamos abranger para o que sentimos, fazer a música da forma mais natural possível – foi isso que nos puxou a fazer [música] e tentamos manter.

 

Referiste os Wu-Tang Clan: em comum com esse colectivo, vocês têm o facto de todos trabalharem fora da crew. Isso também acaba por definir aquilo que fazem em GROGNation?

Harold: o principal [resultado] é ter novas ideias, novas maneiras de abordar a própria música e, ao mesmo tempo, desafiarmo-nos a fazer coisas novas. Eu sou o único do grupo que tem um trabalho mesmo a solo mas já todos fizemos coisas sem ser com GROGNation, seja participações e tudo o mais… Eu falo por experiência própria: ter feito o meu álbum [Indiana Jones, de 2016] acabou por fazer-me evoluir na minha escrita e fez-me saber que consigo usar a minha voz de outra maneira. Antes não usava a minha voz para fazer refrães, por exemplo, e agora já me sinto muito mais à vontade – pelo menos, foi essa experiência (que foi a maior que retirei do meu trabalho a solo) que consegui trazer para o álbum dos GROGNation. Essa missão acabou por ficar já por nós – porque sentimos que conseguimos fazer as coisas. Antigamente, se precisávamos de um refrão, íamos chamar alguém que sentíamos que tinha uma voz mas, hoje em dia, já temos outra confiança. Tentativa/erro: conseguimos chegar lá.

 

Da escola para a História.

 

Falemos dos primeiros passos dos vossos primeiros passos: nas redes sociais, chegaram a incentivar alguns produtores a fazerem-vos beats.

Nasty Factor: acho que as coisas aconteceram naturalmente. Os primeiros produtores com quem trabalhámos eram, realmente, pessoas que estavam próximas de nós, nomeadamente, gente que andou connosco na escola (como o The Kid, que produziu uma das músicas do nosso primeiro EP), portanto, eram pessoas que estavam próximas… As outras foram pessoas que fomos conhecendo: muitas já conheciam o nosso trabalho – pela net ou por amigos que os aconselharam – mas acabou por ser assim… Acho que não fomos atrás, assim dessa forma.

 

Nem uma década passou e vocês já saíram do cenário da vossa escola secundária para um palco como o do Sumol Summer Fest, onde se juntaram a uma série de históricos para narrar A História do Hip Hop Tuga.

Harold: é gratificante. Ao mesmo tempo, não penso nisso… Mas, quando penso, sinto que ainda ontem estávamos a tocar numa escola secundária e ninguém nos conhecia e, agora, já temos as pessoas as cantar as letras connosco. Temos o Sam The Kid e todo o pessoal mais velho a dar-nos ouvidos, a dar-nos uma palavra de incentivo, comunicam connosco… Tanto que, no [EP de 2014] Sem Censura, temos o Sir Scratch e o NBC, o Sam The Kid produziu para o álbum [Nada É Por Acaso, de 2017] e já tinha produzido para projectos anteriores… Não penso muito no processo porque, quando penso, fico tipo “onde é que estou?!” São as minhas referências, o pessoal que cresci a ouvir e, de certo modo, influenciaram a minha maneira de ver a cultura, de ver isto tudo. É gratificante saber que temos esse papel na história do hip hop ‘tuga: assim como eles nos influenciaram, vamos ter o papel de influenciar outra geração.

 

“Não penso muito no processo porque, quando penso, fico tipo ‘onde é que estou?!’”

 

Em 2012, lançam a primeira mixtape, Segunda Vaga, segue-se outra mixtape, Dropa Fogo, no ano seguinte. Ainda editam dois EPs, Sem Censura e Na Via, em 2014 e 2015 – sentiam que não tinham, ainda, maturidade suficiente que justificasse a edição de um álbum?

Nasty Factor: sim, acaba por ser isso. É como se os quatro trabalhos que fizemos antes fossem uma preparação, um amadurecer. O facto de fazermos este álbum agora não foi por acaso: foi quando sentimos que estava na altura. Já tínhamos essa intenção, de lançar um álbum, efectivamente, quando sentíssemos que estávamos preparados e, neste momento, achamos todos que, em termos técnicos, de fazermos música e canções, estava na altura.

 

Dizem que o trabalharam como se fosse o último?

Papillon: essa foi uma frase que ficou… No processo de criação, a ideia era partir de uma viagem da qual não sabias se ias voltar. É a efemeridade das coisas: estás aqui mas nada te garante que estás cá amanhã. Começámos com o pensamento assim: vamos fazer este álbum com a consciência de que podemos não fazer um segundo. Montes de coisas podem acontecer, podemos não ter essa possibilidade. Foi com esse pontapé de saída que fomos dar à meta do Nada É Por Acaso: começámos com essa força de querermos fazer um álbum mesmo como se fosse o último e como se fosse tudo aquilo que experienciámos, tudo o que aprendemos ao longo dos anos, desde que nos conhecemos até à altura de começarmos a fazer o disco. Queríamos meter isso tudo neste álbum porque o objectivo era não nos arrependermos de nada, no final.

 

Sentem que representa todos os anos que levaram até aqui? O EP tinha uma sonoridade específica mas o álbum é um misto – tanto soulful quanto fresh.

Neck: tudo o que aprendemos nos outros projectos, utilizámos neste álbum – todas as sonoridades de que gostamos, aquilo em que sentimos que somos bons, que temos mais jeito para fazer… Neste álbum, tentámos fazer as [nossas] melhores faixas. Estão ali 16/17 músicas e são as melhores que já fizemos até agora, no nosso pensamento, porque são um culminar de todo o trabalho que temos há cinco anos. Foi esta a conclusão que quisemos ter neste disco: aquelas faixas que temos no álbum são as melhores que temos. Foi quase um conceito que quisemos dar: a evolução de todos os nossos outros projectos é o Nada É Por Acaso.

 

“A evolução de todos os nossos outros projectos é o Nada É Por Acaso”.

 

E chegamos ao futebol: vocês tanto se orgulham das preferências do portista Danilo Pereira quanto de actuarem para a Fundação Benfica. Isso não é um bocado promíscuo?

Papillon: somos todos de clubes diferentes.

Todos: todos não.

Papillon: somos todos de clubes diferentes: Sporting, Benfica e Porto.

Harold: Não, não há Porto aqui.

Nasty Factor [para Papillon]: tudo és do Porto?

Papillon: eu estou a apoiar o Porto, como é óbvio. Não sei porque é que vocês me estão a pôr nessa posição mas posso esclarecer já: o Danilo é meu amigo de infância e eu meto sempre os meus amigos e a minha família em primeiro lugar – se ele está a jogar no Porto, eu apoio o Porto.

Harold: eu apoio o Danilo Pereira mas sou sportinguista.

Papillon: não dá para apoiar a meio: ou apoias ou não apoias.

Harold: eu apoio o Danilo Pereira…

Papillon: …mas não apoias!

Harold: eu quero o melhor do mundo para o Danilo Pereira mas o Sporting não é campeão há 15 anos!

Papillon: o Danilo não vai ficar no Porto para sempre.

Harold: o meu Sporting não é campeão há 15 anos – não posso deixar de apoiar.

Papillon: eu também apoio o Sporting – quando há possibilidade.

Harold: sempre que acompanho os jogos, quero sempre que o Sporting ganhe e quero sempre que o Porto ganhe (por causa do Danilo)… Se o Porto puder ganhar todos os jogos e perder só com o Sporting, tudo bem, ficamos todos felizes. Se eles ganharem a Taça de Portugal e nós o campeonato? Tudo bem.

Neck: viva o Benfica! 1904!

Harold: este não conta – aliás, os benfiquistas deste grupo nem sequer vêem os jogos. Este aqui [para Nasty Factor] só vai lá quando o Benfica é campeão.

Nasty Factor: e vou para a rotunda gritar GROGNation!

Harold: o Prizko é do Sporting.

Nasty Factor: é do Sporting mas veio comigo no ano passado, quando o Benfica foi campeão, dar voltas à rotunda.

Prizko: fui gritar GROGNation.

Harold: na verdade, nunca discutimos futebol.

 

Código postal: 2725 Mem Martins

 

Vocês são de Mem Martins e envergam orgulhosamente a vossa origem – com o 2725. É o mesmo local de onde vieram, por exemplo, os Rádio Macau e os Excesso.

Prizko: o Melão, sim.

Harold: e a Mónica Sintra.

 

É importante o berço?

Prizko: claro que sim. É a nossa zona – nascidos e criados em Mem Martins. Não somos os únicos, há mais rappers: o Bispo, o Landim, o Marcos Best não é de Mem Martins mas é dali de perto… Há mais pessoal com talento: arte, cultura – somos nós. Mem Martins.

 

Os GROGNation são vocês os cinco mas também é o vosso Fiat Seiscento, não é? Que até aparece na capa do Nada É Por Acaso. Continuam a ter o mesmo carro?

Nasty Factor: Não, não, já foi. Foi uma mudança – era o sexto elemento porque nos marcou muito e ao percurso que tivemos até aqui. Acho que mudámos para melhor, estamos mais confortáveis e anda um bocadinho melhor.

Prizko: andamos de Mercedes.

Harold: agora, somos vendidos.

Nasty Factor: não é um Mercedes mas é quase.

 

Mudaram de carro mas a fome continua a ser a mesma? Se é para ir…

Nasty Factor: vamos todos! Sempre.

Prizko: e vamos na mesma.

Neck: vamos na mesma – sem qualquer problema.

Ana Ventura Ana Teresa Ventura trabalhou na Blitz durante dez anos e hoje podemos vê-la tanto em festivais de verão cobertos pela SIC, como na sua rubrica, M de Música do programa Mais Mulher, na SIC Mulher.

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