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Golden Slumbers: “O desejo de querermos fazer mais”.

Golden Slumbers: “O desejo de querermos fazer mais”.
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A música esteve sempre “lá” mesmo que não o tivessem percebido de imediato. Estas duas irmãs podem ter encontrado inspiração para baptizar o seu projecto numa canção dos Beatles mas a sua folk suave e harmoniosa pouco tem a ver com a obra dos quatro de Liverpool. Ao seu primeiro álbum, chamaram The New Messiah mas são elas as portadoras da boa nova – as Golden Slumbers sabem o que querem: conquistar Portugal mas também ir bem mais além.

 

As Golden Slumbers podem ter nascido, apenas, em 2013, mas falar de Catarina e Margarida Falcão é, de certa forma, falar de música – desde sempre, foi essa a companheira das duas irmãs. Pegue-se, por exemplo, no Facebook oficial do projecto e descubram-se as partilhas de fotos, onde se debatem momentos constrangedores ao nível dos penteados mas aventureiros no que diz respeito às primeiras experiências de guitarra em riste.

Margarida: Já fazíamos algumas coisas juntas mas era só a brincar. Aquela conclusão “isto é aquilo que nós queremos fazer” surgiu quando eu tinha uns 16 e tu 18.

Catarina: Perco-me sempre quando tu dizes isso. Isso foi tipo 2012/13?

M: Quando eu tinha 16, começámos a ouvir as mesmas coisas e seguimos por aí.

 

Aliás, as primeiras canções surgem bem antes: primeiro para a igreja e, dois anos depois, nasce a “Lazy Woman”.

C: O “Lazy Woman” era muito má mas eu gosto dessa música. Acho piada.

M: Gosto mais do “Lazy Woman” do que da música de igreja.

C: Eu também. A de igreja nem sei porque é que escrevemos… Houve uma altura em que começámos a cantar no coro da igreja lá ao pé da nossa casa – não somos muito religiosas, hoje em dia, mas, na altura, íamos à missa e fazíamos parte do coro. Não sei porquê…

M: Acho que estávamos aborrecidas.

C: E é o mais cliché possível.

M: Lembro-me que escrevemos a letra no computador. As músicas de igreja – pelo menos, aquelas que cantávamos – eram muito repetitivas, no que toca a temática, naturalmente. Mas as letras são muito fáceis de escrever, não foi muito “challenging” mas, na altura, gostámos.

C: Sim, e depois cantámos, na igreja – foi o nosso primeiro concerto de originais! (risos) Foi engraçado.

 

Em vossa casa, no entanto, houve sempre arte, não foi? A vossa bisavó tocava piano, a mãe é pintora, o pai já editou um disco.

C: Nós vivemos com a nossa mãe e ela sempre nos incentivou a estudar música, andámos em coros, ela adorava ver a Margarida a cantar – porque ela cantava muito mais sozinha do que eu e era um orgulho. É a nossa maior fã: sempre que metemos alguma coisa, ela partilha em tudo o que é sítio e nos grupos de família… Pelo menos no aspecto de incentivo, sempre tivemos uma mãe que nos incentivou e gostava do que nós fazíamos – embora, por vezes, fosse uma porcaria.

 

No entanto, esta história podia ter sido muito diferente – não fosse um namorado de Catarina e um concerto de Bon Iver. Catarina descobre um universo musical diferente, quando se deixa embrenhar por obras como as dos Fleet Foxes ou Laura Marling. Entretanto, Margarida vai ao Campo Pequeno, em 2012, assistir ao concerto de Bon Iver: a abrir, um trio de irmãs, The Staves.

 

M: O ex-namorado da Catarina foi quem a introduziu a músicas novas, certo?

C: Sim, sim.

M: Por causa disso, eu comecei a ouvir essas músicas também – portanto, foi graças ao ex-namorado da Catarina. Porque eu pensava “ah, eles são tão fixes, tenho que ouvir o que eles estão a ouvir”. Nós já queríamos fazer qualquer coisa, mas estávamos naquela “vai não vai, tudo com calma” – mas, quando vi as Staves, pensei mesmo “nós temos que fazer isto, elas também são irmãs, nós também somos irmãs, porque é que nós não havíamos de fazer isto?!”

C: Só por isso, já dá, só por sermos irmãs (risos).

M: Foi uma coincidência: eu não as conhecia de lado nenhum, nós já fazíamos coisas, foi uma coincidência mas foi óptimo. Foi olhar para elas e rever-me naquilo. “Nós também temos que fazer qualquer coisa”.

 

Na verdade, vocês podiam ser mesmo como as Staves, que são três.

C: Nós somos cinco [irmãs]– mas sim, as mais velhas somos eu, a Margarida e a Marta, que também já cantou connosco algumas vezes. No CCB, por [no concerto inserido no CCBeat, em Maio de 2017].

 

Poucos meses depois, de facto, essa vontade é concretizada.

C: A oficialização disto tudo foi em 2013 que foi quando nos juntámos, quando demos nome ao projecto, quando começámos a compor, começámos a gravar… Foi em finais de 2013.

M: Para mim, foi quando fizemos o Facebook – nessa altura pensei “ok, isto é um projecto”.

 

À distância, a escolha de “Golden Slumbers” para nome do vosso projecto acaba por parecer quase uma ironia: cita os Beatles mas vocês são puramente folk.

C: Na altura, eu estava a ouvir o Abbey Road [álbum dos Beatles editado em 1969] e começou a passar uma música da qual eu gosto muito, que se chama Golden Slumbers. Andávamos à procura de nomes e não gostávamos de nada: sugeri à Margarida chamarmo-nos Golden Slumbers e ela gostou. Mas, lá está, não é por sermos “hardcore” fãs dos Beatles.

M: Quer dizer, eu adoro Beatles mas toda a gente adora Beatles.

C: Sim mas não acho que seja uma influência directa para a nossa música, embora eles tenham vários estilos e várias sonoridades. Foi mais por acharmos piada ao nome do que por ser uma referência musical.

 

Ainda assim, é bem melhor do que Cleo and the Conquerors.

C: Sim.

M: Sim, é bastante melhor. (risos)

C: Cleo and the Conquerors, que horror!

 

Em 2014, surge o primeiro EP, gravado de forma directa e sem preparação: chamam-lhe I Found The Key e, pouco tempo depois, o nome Golden Slumbers surge, igualmente, no alinhamento da edição desse ano da compilação Novos Talentos Fnac. Tudo graças a um disco gravado… numa escola.

 

M: Sim, foi na minha escola secundária/profissional.

C: Éramos muito miúdas e ingénuas, na altura, e nem sequer conhecíamos música ou bandas portuguesas mais independentes. Portanto, não sabíamos como é que a música funcionava em Portugal. O que acontecia é que gostávamos de tocar e compor juntas e gravámos numa de “vamos ver”. Na altura, se calhar, aquilo que chamou mais a atenção das pessoas foi o facto de termos feito uns quantos vídeos acústicos do “My Love Is Drunk”: foi a partir daí que encontrámos o Pedro, que é o nosso manager hoje em dia. Foi isso que foi chamando algumas pessoas – muito pouquinho mas algumas pessoas. Entretanto, lançámos o álbum e isso foi cimentando o desejo de querermos fazer mais.

M: Para mim, o momento em que eu achei que as pessoas queriam saber do que nós fazemos foi quando lançámos o EP: lançámos aquilo na pior altura possível – em Junho, que é uma fase em que, normalmente, não se lançam discos, as pessoas já estão a ir de férias, já não estão para ali viradas…

C: Também já não há muita programação para fazer.

M: Exacto. Só que tivemos imensos downloads no Bandcamp, já não temos EPs, as pessoas estavam a partilhar…

C: Mais do que isso, acho que as pessoas estavam curiosas porque havia um projecto novo, de duas miúdas irmãs – apesar de existirem outros projectos com esses elementos, como as Pega Monstro.

 

Sentem que o facto de serem duas raparigas, a fazer uma música delicada, leva a que as pessoas vos carimbem de forma errada? Nomeadamente, que classifiquem, por diversas vezes, a vossa música como “fofinha”?

C: Essa é a nossa luta.

M: Eu não acho que isso seja mal intencionado, de todo, mas não gosto nada desse rótulo.

C: Hoje em dia, já me estou um bocado mais nas tintas mas lembro-me que, quando saiu o álbum… Havia essa constante: não é mal intencionado mas usem outros adjectivos – há tantos.

M: Fofinho é tão…

C: É um bocadinho condescendente. É tipo “ah, que queridas, a fazerem musiquinha, que fofas”. Hoje em dia, já me passa completamente ao lado, achem o que acharem. O problema não será meu.

M: Não é mal intencionado e, se não é mal intencionado, já é um aspecto positivo.

 

I Found The Key, em 2014, apostava numa abordagem crua mas também em canções de amor. Em dois anos, porém, as Golden Slumbers mudaram e, com essa mudança, também a sua música se alterou. Chegada a hora da aventura no primeiro longa-duração, viajam até Alvito, para trabalhar com o produtor Luís Nunes (aka Benjamim) – no caminho, acabam por assinar um registo que traz a folk no seu âmago mas que se deixa contagiar por um certo psicadelismo e por uma aura etérea e mágica, intimamente ligada a elaboradas harmonias vocais.

C: Sim, [os discos] são completamente diferentes. No outro dia, estávamos aqui a ensaiar e apercebemo-nos que as músicas do EP são muito gritadas, estávamos numa altura em que queríamos mostrar “olha, até onde a nossa voz vai, ela vai tão alto”… Hoje em dia não.

M: Lembro-me também que, naquela altura, eu tinha uma voz mais de bebé e precisava que as coisas fossem mais agudas, naturalmente

C: Mas eu também gostava: na altura, gostava muito mais de cantar em registos mais agudos e, hoje em dia, sei onde é que estou confortável. Não nos ficamos só por aí mas exploramos mais a nossa forma de cantar e aquilo que dizemos.

M: Do EP para o álbum vai uma diferença gigante: estamos falar de um EP que não foi produzido. O que fizemos foi “banda, toquem” e está feito. O álbum foi muito mais pensado.

C: Isso vê-se… [Por exemplo] nas letras que, hoje em dia, ouvimos e pensamos “mas porquê?!”. Faz parte – éramos umas miúdas.

 

Chamam ao álbum The New Messiah mas o verdadeiro messias são vocês, não é?

M: Era a ideia de uma nova etapa, uma nova mensagem – tudo o que um novo messias representa. Pegámos nisso.

 

É com essa “nova mensagem” que as Golden Slumbers se atiram aos palcos: e passam por alguns dos mais conceituados. Actuam no NOS Alive e no Bons Sons, alinham no Vodafone Mexefest mas também pegam na carrinha a tocam em Espanha.

C: Eu gostei muito.

M: Eu tenho imensas saudades.

C: Apercebi-me que até conseguimos viajar bem, tipo numa carrinha – até se faz bem. Não tinha a certeza: tanto tempo juntos, com as mesmas pessoas… Por acaso, correu bem.

M: Foi muito giro mas aprendi que o meu portinhol… Não.

C: Ela não falava. Normalmente, em Portugal, é ela quem faz a maior parte das conversas, nos concertos, e eu é que fico calada – lá foi ao contrário.

M: Eu odeio falar em línguas que não domino, como o espanhol ou o francês – se me obrigarem, vou ficar tipo “ah, não! Eu vou dizer coisas mesmo estúpidas”. De resto, os concertos foram fixes, os espanhóis são simpáticos.

C: Eu gostava de tocar mais fora.

M: Eu também – nem que seja pelo factor de viajar – eu adoro viajar. Sempre foi um objectivo, desde o início: conquistar Portugal mas também ir para alem das fronteiras.

 

E voltamos à vossa página de Facebook, onde se apresentam como “duas irmãs com uma paixão pela toranja”.

C: Não, não gostamos de toranjas, sequer!
M: É mentira: quando fizemos a descrição pensámos… há sempre aquela descrição tipo “folk duo” ou coisas óbvias e eu só disse uma coisa aleatória. Nem sabia o que era “grapefruit” em português – só depois é que descobri que era toranja.

C: Ficaste decepcionada.

M: Do que é que gostamos mais? Eu gosto de maracujá, por exemplo.

C: Eu gosto de manga.

M: Eu odeio manga.

C: Nós gostamos de fruta.

M: E de música.

C: E de música. (risos)

 

Ana Ventura Ana Teresa Ventura trabalhou na Blitz durante dez anos e hoje podemos vê-la tanto em festivais de verão cobertos pela SIC, como na sua rubrica, M de Música do programa Mais Mulher, na SIC Mulher.

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