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X-Wife: “Este é o projecto mais importante da nossa carreira”.

X-Wife: “Este é o projecto mais importante da nossa carreira”.
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Tudo começou numa sala de ensaios onde havia três instrumentos. De repente, conquistavam o éter da MTV e ainda colocaram os melhores futebolistas do mundo (virtual!) a jogar ao som da sua música. O nome de baptismo pode levar à ideia de divórcio mas nos X-Wife não há espaço para litígios.

Diz-se que estar numa banda é uma espécie de casamento mas, certamente, quando escolheram o nome com que iriam subir ao palco, os X-Wife não estavam a pensar no seu final. Houve, porém, quem temesse que esse epílogo tivesse chegado quando, ao fim de quatro álbuns, muitos concertos e quase uma década de carreira, o trio do Porto desapareceu dos olhos (e dos ouvidos!) do público. São românticos ao ponto de continuarem a acreditar na ideia de álbum mas, em 2015, o seu regresso foi feito com um single. Chamaram-lhe “Movin’ Up” e acaba por ser tão profético quanto os restantes passos do grupo. Uma coisa é certa: a máquina continua a ser alimentada.

Vivia-se o ano da graça de 2003 quando, do Porto, chegava o EP de um novo colectivo. Eles eram os X-Wife, o disco chamava-se Rockin’ Rio. Para a narrativa ser mais sumarenta, podia dizer-se que, neste caso, três foi a conta que Deus fez – só que, na verdade, esta história tinha começado no ano anterior. No entanto, mantenha-se a aura de magia e dê-se a palavra a João Vieira. “A banda começou com três instrumentos que eram do Rui. Isso teve piada: começámos numa sala de ensaios, eu e o Rui sozinhos – depois juntou-se o Fernando… Todos os instrumentos eram do Rui: era o baixo, era o teclado e era a guitarra – eu nem sequer tinha uma guitarra, na altura, e o Rui teve a amabilidade de nos emprestar os instrumentos. Foi assim, uma brincadeira: cada um chegou lá, agarrou um instrumento e, a partir daí, cada um ficou com esse instrumento – até hoje. E, até hoje, esses instrumentos estão connosco no palco – já passaram 13 anos”. “Naturalmente, já não são meus”, conclui Rui, entre risos. Claro que nenhuma história começa exactamente assim – por isso, tracem-se as coordenadas que levaram estas três personagens ao cenário que ilumina os primeiros planos desta aventura.
João Vieira era figura reconhecida do grande público desde que, recém-regressado de uma temporada em Londres, tinha começado a encenar as noites Club Kitten – toda a gente o conhecia, precisamente, como DJ Kitten. Rui Maia cresceu com a música como companhia, em boa parte por influência dos irmãos, mas também pelo seu próprio interesse: com seis anos, começou a tocar bateria e guitarra mas, mais tarde, viria igualmente a deixar-se conquistar pela arte do DJing. Fernando Sousa nunca pegou nos pratos para, com eles, animar as hostes mas, até aos X-Wife, também nunca tinha pegado no baixo. Aliás, a eleita para acompanhar as suas canções preferidas tinha sido sempre a guitarra – até que o seu caminho se cruzou com um Fender do irmão de Rui.

Três melómanos. Três instrumentos. Um sonho e uma herança – o pós-punk e a estética de todo o movimento, dos flyers aos badges, passando pela simplicidade do uso gráfico de, apenas, duas cores. “São coisas que nos influenciaram muito e que, mesmo hoje em dia, têm o seu peso. Todo o lado “do it yourself”… Agora, as coisas tornaram-se um bocadinho mais “corporate” mas, no início, foi super importante”, assume Rui. “Usámos muito essas referências todas para o nascimento da banda – não só para o som da banda mas graficamente e mesmo na maneira de estar na música e na arte. Absorvemos muito essa cultura”. Ouvir X-Wife pode impelir à pista de dança mas João explica tudo muito melhor: “Musicalmente, temos todos a influência do punk. Se havia um género musical que nos unia era o punk e o pós-punk: por isso, foi sempre uma referência nossa – esteticamente, musicalmente, na forma de estar em palco, na energia de palco”. O lado electrónico podia estar lá mas os X-Wife nunca quiseram parecer máquinas. “Tínhamos essa preocupação: os discos soarem a uma banda a tocar ao vivo, principalmente no primeiro [Feeding The Machine]. A drum machine, a caixa de ritmos, era algo muito punk, muito Suicide”, continua o guitarrista e vocalista. Se fosse preciso nomear um dos grandes modelos para a génese dos X-Wife, invariavelmente, à cabeça viriam, como João referiu, os Suicide, uma das primeiras bandas a misturar o punk e a música electrónica, em actividade desde o final da década de 1960 até à morte do seu líder, Alan Vega, em 2016. “Quando começámos [o grupo] era com a ideia de fazer uma banda tipo Suicide – nem queríamos tocar em festivais nem nada. Pensávamos que íamos tocar em caves de lojas”. Segundo João, foi assim que tudo começou.
Depois do cartão de visita em formato de EP, a primeira apresentação formal dos X-Wife dá-se com Feeding The Machine, o álbum que publicam em 2004. “”Feeding The Machine” quer dizer alimentar a máquina e alimentar a máquina é alimentar o cérebro – os X-Wife foram uma forma de estarmos motivados para a vida, uma maneira de acordarmos com entusiasmo porque estávamos aqui a criar alguma coisa. Houve, realmente, uma química muito forte, e [existe] até hoje! É tão raro isso acontecer”, constata João. Desde então, os três X-Wife foram abraçando outras jornadas musicais mas, para o vocalista, uma coisa é certa: “Foi algo especial e, para todos, acaba por ser o projecto mais importante na nossa carreira musical. Esta foi a banda que nos marcou e que nos fez fazer música profissionalmente”.

Feeding The Machine é seguido por Side Effects, em 2006 – mas será o registo posterior que os catapulta para uma dimensão mundial. Chamaram-lhe Are You Ready For The Blackout? e era nesse disco, de 2008, que se encontrava “On The Radio”. Os X-Wife deixavam de estar, apenas, na rádio: depois de serem aplaudidos por figuras como James Murphy, estavam também na televisão, quando a MTV decide incluir essa canção numa das suas séries de maior audiência – o drama juvenil Skins. “É um reconhecimento e nós ficamos muito contentes”, dispara Rui sobre este regresso ao passado. “Foi uma oportunidade enorme. A MTV tinha um público enorme e chegámos a muito mais pessoas. Começámos a notar que os nossos concertos tinham um público mais jovem e, para nós, é importante ir renovando as gerações, que a nossa música chegue também a estas gerações mais novas”.
No arranque da segunda década do novo século, o mundo parecia estar ao alcance dos X-Wife que, em 2011, regressam aos discos com Infectious Affectional. Até que, subitamente, o tal “blackout” que pareciam ter anunciado… chegou – e sem que ninguém tivesse dado por nada. “As coisas aconteceram todas de uma forma muito natural: nada foi pensado, nada foi conversado – simplesmente, aconteceram”, esclarece João. “Isto é quase como um casamento mas não foi o casamento que acabou, não nos tornámos [verdadeiramente] X-Wife. As coisas nunca foram terminadas, nunca foram “vamos voltar ou vamos terminar”, nunca se falou nisso. Simplesmente, as nossas vidas mudaram muito. Estivemos muitos anos juntos, a tocar juntos – nesta banda, não há pressão e nem deve haver. A partir do momento em que criássemos deadlines e pressão para fazer coisas e, se calhar, para tocar e para lançar discos, a banda ia acabar por perder interesse – mesmo para o público em geral. Muitas bandas, às vezes, cometem esse erro: aquela pressão de terem que editar um álbum porque têm que tocar ao vivo… Ou porque têm que lançar um single. Tivemos o cuidado de dizer que, se vamos fazer as coisas, vamos fazer mesmo bem feitas: vamos fazer uma coisa nova, vamos fazer uma sonoridade um pouco diferente, que nos distinga, [que mostre] que estamos a evoluir”, explica o vocalista. A essa evolução chamaram “Movin’ Up” e apresentaram-na em 2015. Um single que marcava como uma tempestade o regresso dos X-Wife. Não que eles tivessem deixado de estar no horizonte musical. “Somos pessoas que continuam ligadas à música, continuam a criar e fazem muita coisa”, afirma o homem que também dá a cara, a voz e a criatividade aos White Haus. “O Rui tem dois projectos [assina em nome próprio e enquanto Mirror People], o Fernando está ligado a tantos [como os Stealing Orchestra ou os Best Youth]. Continuamos a ouvir música nova, continuamos a fazer tanta coisa… Não somos aquelas pessoas que se desligaram da música e estão noutra onda e, depois, de repente, voltam e fazem discos desastrosos. Há muitas bandas assim. Esse não vai ser o nosso caso porque vamos estar sempre, toda a vida, ligados à música”, continua. Outras experiências e outras parcerias acabam, invariavelmente, por alterar, também, a forma de estar no grupo de sempre. “Agora, temos mais consciência e mais know-how, mais sabedoria a nível de produção – quando começámos, éramos uns miúdos, limitávamo-nos a tocar os nossos instrumentos. Agora, é tudo pensado mas acho que é uma evolução saudável. Ninguém quer fazer o mesmo disco dez vezes – as coisas têm uma altura para acontecer. Aconteceu o primeiro disco, era punk, com uma caixa de ritmos; o segundo já foi uma mistura… Este último já é uma música que aparece no FIFA – acho que é uma boa evolução”, conclui, com um sorriso.
A evolução de que João fala passa, claro, pela escolha de “Movin’ Up” para a banda sonora de um dos mais populares jogos do mundo: a edição 2016 do FIFA colocava os X-Wife ao lado de nomes como Foals, Beck ou Disclosure. No entanto, procure-se o álbum onde “Movin’ Up” pode ser encontrado – e não há resposta. Ou melhor, há mas não é simples: quase meia década de pausa depois, quando regressaram a “casa”, os X-Wife fazem-no com um só single. Desde 2003, quando se estrearam em disco, com um EP, é certo que muito mudou na forma como a música é “consumida” e apreendida – o que torna pertinente uma questão: será que o trio do Porto considera que o álbum é um documento obsoleto, ao qual não pretendem regressar? Rui é peremptório ao afirmar que “ainda existem alguns românticos, como nós, que gostam de álbuns. Para mim, os álbuns são importantíssimos: sempre que compro um álbum, gosto de o ouvir do princípio ao fim, pela ordem, porque acho que, se foi feito daquela forma, é porque faz sentido que seja assim. Apesar de termos lançado um single, em 2015, solto, não quer dizer que esse single não vá fazer parte de um álbum. Se calhar, até pode acontecer. Para nós, é importante continuar a fazer álbuns, claro que sim”. “Se calhar, somos uma banda que vai ter pessoas que só querem ouvir os singles mas vamos ter sempre pessoas que vão querer os álbuns: muitos querem comprar fisicamente e ainda há alguns que querem comprar em vinil”, acrescenta João. “Há sempre público para tudo e temos vindo a notar isso ao longo da nossa carreira: sempre que vamos tocar, há sempre pessoal que quer comprar os álbuns antigos”, conclui.
Ouvir X-Wife é ouvir rock – mas ouvir X-Wife é também colocar um pé nas pistas. Sendo assim, afinal, o que é que põe os autores de “Keep On Dancing”, efectivamente, a dançar? Entre risos, João confessa que são “os copos”. “Não só os copos”, contrapõe Rui. “Nós gostamos de música de dança: mesmo quando começámos os X-Wife – tínhamos o lado punk mas também havia o electroclash, que apareceu nessa altura. Para nós, isso é importante e gostamos daquela energia que acaba por estar presente na nossa música – um lado de dança mais próximo do rock. Isso faz-me dançar porque tem um lado mais físico: para mim, a música mais física faz-me dançar mais do que a que é para cabeça”, afirma de forma (quase) solene, antes de assentir à ideia do companheiro de banda: “A não ser que esteja com os copos!”. Se década e meia depois, continuam a concordar neste tipo de pontos fundamentais, nunca digam que este casamento não é feliz.

Ana Ventura Ana Teresa Ventura trabalhou na Blitz durante dez anos e hoje podemos vê-la tanto em festivais de verão cobertos pela SIC, como na sua rubrica, M de Música do programa Mais Mulher, na SIC Mulher.

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