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peixe:avião: a importância do som da palavra

peixe:avião: a importância do som da palavra
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Ao contrário do resto país, a prosperidade reina no universo dos peixe:avião.

 

Em menos de 10 anos, editaram quatro álbuns. Tudo parece ainda mais incrível quando se descobre que as primeiras canções já estavam gravadas quando os cinco elementos, efectivamente, se conheceram. Em 2016, publicaram Peso Morto mas que não restem dúvidas: o que mais há por aqui é vida.

 

Apesar de terem um Ronaldo na voz, todos os elementos dos peixe:avião servem a linha mais avançada – e todos eles são capazes de marcar golos. Isso ficou claro desde o início: corria o ano de 2007 e o cenário era Braga. “Acabámos por começar de uma maneira muito pouco formal e normal”, recorda Pedro Oliveira. “Conhecíamos uma pessoa em comum mas não nos conhecíamos e acabámos por nos irmos conhecendo ao longo das gravações da nossa primeira maqueta. Nesse aspecto é insólito e diferente”, continua. O discurso com o M de Música é partilhado com André Covas, que Pedro só conheceu “quando o EP já estava praticamente gravado. Acabámos por nos conhecer todos já numa fase de ensaios, quando a banda já estava a tocar”.
Rapidamente, os cinco “desconhecidos” tornaram-se foco de atenção de público e crítica. Porém, mais uma vez, os peixe:avião fazem uma escolha pouco habitual. “Vamos tendo, entre os discos, algumas fases em que abrandamos mais um bocado”, confessa André. “O período mais notório foi entre o Madrugada e o homónimo, em que houve mesmo um período de pausa, de reflexão – mas acabámos sempre por estar a fazer alguma coisa, seja um disco ou uma banda sonora”. Na realidade dos bracarenses, uma coisa nunca é exactamente aquilo que parece. “Muitas vezes, quando estamos a ensaiar para concertos, acabam por surgir coisas novas desses ensaios ou dos próprios concertos. Acaba por haver uma produção quase continuada da banda: depois, como todos temos projectos paralelos e vivências paralelas – há coisas que acabamos por ter vontade de experimentar na banda e vão surgindo sempre novos motes de criação por aí”, continua. A intensidade criativa dos peixe:avião não se encerra, por isso mesmo, na obra deste quinteto. Como explica Pedro, “acabamos por canalizar para as nossas outras coisas as várias linguagens que gostamos de explorar: há coisas que não cabem no universo de peixe:avião e isso permite-nos explorar outras linguagens e abordar a música de uma maneira diferente. Acabamos por trazer para os peixe:avião aquilo que realmente queremos que seja a nossa linguagem. Costumo dizer que podes conhecer todas as palavras mas, num contexto, só usamos umas determinadas palavras”.

E foram outras palavras – ou a sua ausência – os grandes objectos de trabalho dos peixe:avião quando, em 2014, a convite do festival de Curtas Vila do Conde, musicaram o clássico do cinema mudo “Ménilmontant”, de 1929. “Foi muito giro”, recorda André. A experiência no seio das bandas sonoras não era inédita mas foi a primeira vez que musicaram “um filme do início ao fim. Por um lado, obriga-te a fugir completamente ao formato-canção (porque não estás a escrever uma canção para um filme, estás a escrever uma banda sonora para um filme). Por um lado, tens liberdade total porque estás a criar do zero (e tens, neste caso, 40 minutos de filme para fazer); por outro lado, tens uma estrutura já pré-feita, que é o próprio filme, com as cadências do filme, as dinâmicas, etc, que tens que respeitar – ou contradizer, se quiseres”, continua. Sendo esta a experiência anterior à concepção de Peso Morto, o álbum que os peixe:avião editaram em 2016, o quarto longa-duração acaba por reflectir esta aventura. “Foi um processo muito importante: afastarmo-nos do objecto canção permitiu-nos explorar uma série de coisas que não tínhamos explorado até então e que, depois, trouxemos para este disco. Foi um ponto importantíssimo na nossa carreira – experimentámos coisas que nunca iríamos experimentar se não tivesse sido neste contexto do filme. Se calhar, outros contextos trarão outras experimentações e outras soluções, que traremos para outros projectos”, conclui.

Densa. Atmosférica. Envolvente. Cénica. Assim podia ser descrita a música dos peixe:avião. Até se podia dizer que é banda sonora perfeita para um período avançado da noite – no entanto, ao seu segundo álbum, chamaram Madrugada. “Esse nome acaba por ser bastante importante no nosso percurso. É exactamente após esse disco que se dá a mudança daquilo que era a nossa abordagem estética em relação à música. Na altura, até falávamos muito que as temáticas do disco abordavam a diferença entre o dia e a noite, os opostos – Madrugada acabava por ser a altura em que as duas coisas se fundiam”. Com o registo seguinte, homónimo, exploram tonalidades menos cerebrais, mais directas e instintivas. E encontram a definitiva aclamação: é álbum do ano para o semanário Expresso, por exemplo, e recebe uma nomeação para os IMPALA, ao lado de vultos como Nick Cave ou Sigur Rós. Misturar tudo e voltar a dar – quando os peixe:avião se voltam a reunir na sala de ensaios, a música brota ainda mais densa. Eis Peso Morto, um disco onde os instrumentos nunca estão bem onde parecem estar, onde a voz nunca impera pelo relevo da sua palavra, onde o formato-canção é, em definitivo, mandado às urtigas. “Gostamos de ter algum gozo com o formato-canção, de não o levar demasiado à letra e pensar o que é que pode ser uma canção. Não nos ficamos pelo rock FM, pelo formato-canção clássico, a estrutura clássica, os dois minutos e meio com o A-B-A-B-B – às vezes temos isso, não é um dogma, mas gostamos de ser criativos não só na instrumentação e nas vocalizações mas na própria construção da música, na arquitectura da  música. Não é algo que façamos finca-pé, “agora, vamos fazer aqui uma coisa diferente” mas a coisa vai surgindo naturalmente dessa maneira”, explica André. Pedro vai mais longe: “Cada vez mais, estamos a tornar-nos numa banda que gosta de pesquisar e esmiuçar os sons que utiliza. O nosso ponto forte é o nível de detalhe com que vamos procurar os sons – a voz, por exemplo, como um instrumento e não como um cantor, que lidera. A voz, hoje, fica atrás, já não fica à frente, esse papel de vocalista/líder prejudicava-nos, no sentido em que não era bem isso que queríamos transmitir. Neste momento, estamos o mais próximo possível daquilo que andámos este caminho todo a idealizar: são coisas que vais conquistando, à medida que elas vão acontecendo, vais aprendendo a falhar e a voltar outra vez ao início e a corrigir. Neste momento, a palavra é uma coisa importante para nós mas o som da palavra é mais importante do que a própria palavra”.

Beats cardíacos contrastam com o lado cadente das palavras expiradas. Entre o peixe e o avião, nesta música, a máquina vive em plena harmonia com o animal. E vive solta. Livre – de condicionamentos ou expectativas.  “No início dos peixe:avião, tivemos algum airplay e as pessoas esperavam uma coisa que acabámos por não concretizar. Começámos por parecer que íamos ser alguma coisa, que íamos ter uma banda que ia chegar… Rapidamente percebemos que isso não nos ia assentar e começámos, cada vez mais, a tornar a coisa mais difícil – em todos os aspectos”, analisa Pedro. “Somos completamente autónomos: somos a nossa própria editora, somos os nossos próprios agentes, não devemos nenhum tipo de satisfação a ninguém e estamos cada vez a afunilar mais para uma coisa que é aquilo que nós queremos fazer e não propriamente aquilo que as pessoas esperam que a gente vá fazer. Como não temos nenhum compromisso, não estamos minimamente preocupados se o disco vai ter muito sucesso ou pouco sucesso – o que interessa é que ele seja uma fotografia daquilo que nós estamos a ser naquele momento”. Uma das canções que marca Peso Morto pode chamar-se “Miragem” mas esta é uma história verdadeira – que ainda agora parece estar a começar.

Ana Ventura Ana Teresa Ventura trabalhou na Blitz durante dez anos e hoje podemos vê-la tanto em festivais de verão cobertos pela SIC, como na sua rubrica, M de Música do programa Mais Mulher, na SIC Mulher.

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