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Sean Riley & The Slowriders: “Somos mais Lucky Luke”

Sean Riley & The Slowriders: “Somos mais Lucky Luke”
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Com quase uma década de carreira, e depois de uma pausa, o quarto álbum, homónimo, marca o início de um novo ciclo.

 

Sean Riley pode ser uma personagem da DC Comics ou da novela britânica Coronation Stret – mas Afonso Rodrigues não se deixa conquistar. Com sabor a rock e a estrada, os Slowriders têm muito mais de Lucky Luke.

Comece-se pelo início. É inevitável a tentação: de onde vem, afinal, este Sean Riley? Pesquisa-se o mundo cibernáutico, buscando uma explicação super-complexa. E eis que vem Afonso Rodrigues – que muitas vezes é “confundido” com o nome de personagem que baptiza o colectivo – com a mais simples das justificações: os quatro Slowriders queriam, simplesmente, “distanciarmo-nos da nossa vivência – fazia pouco sentido estarmos a escrever em inglês e assinarmos Afonso Rodrigues. Era um nome do qual sempre gostei: não temos oportunidade de escolher o nome com que nascemos; se temos mais tarde, devemos aproveitar”. E, assim, nasceram Sean Riley & The Slowriders.

A música de Sean Riley & The Slowriders pode ser compassada, arrastada, suspirante mas nada mais no percurso do colectivo foi tranquilo. Em menos de 10 anos, editaram três álbuns, viajaram pelo país e pelo mundo, fizeram uma pausa e regressaram – com o homónimo, que surgiu em 2016. “De facto, as coisas rolaram muito rapidamente. Lançámos o primeiro disco, começámos a tocar e, a partir daí, nunca mais parámos de tocar nem de gravar, durante esse período de tempo. Quando chegámos ao final da promoção do último álbum, todos quisemos envolver-nos noutras coisas – estivemos quatro ou cinco anos completamente focados em Slowriders, só fazíamos aquilo”, explica Afonso.

Para quem tinha como objectivo primordial, apenas, fazer um disco, tudo isto era, efectivamente, surpreendente. “De repente, quando acordámos, tinham passado três discos e imensos concertos, tínhamos tocado em todo o lado…  Houve ali um momento em que, naturalmente, começámos a dedicar-nos a outras coisas”. Pode ter sido um hiato mas a ideia de paragem nunca esteve no horizonte. Como explica Afonso, tudo aconteceu, de forma “muito natural: nunca decidimos fazer uma pausa. O que decidimos foi fazer outras coisas na nossa vida e isso acabou por resultar no facto de a banda, naturalmente, ter que entrar em pausa. Nunca houve uma decisão de não nos interessar fazer música ou estarmos cansados e querermos fazer outras coisas ou, eventualmente, acabarmos – isso nunca nos passou pela cabeça”.

Cada um foi fazer as suas próprias experiências – Afonso, por exemplo, aventurou-se nos Keep Razors Sharp. “Fomos fazer outras coisas: de uma forma muito pouco pensada, acabei por fazer uma banda nova, que surgiu do nada. A ideia de nos encontrarmos e fazermos música juntos foi sendo adiada mas nunca houve a decisão de pormos isto em stand by”. Por isso mesmo, Afonso chama a esta ausência “uma pequena interrupção. Se calhar, não é assim tão pequena mas, aos nossos olhos, passou muito rápido”.

 

A ligação entre Sean Riley & The Slowriders e a ideia de estrada ultrapassa os contornos da sua música. A verdade é que uma boa parte da sua história foi feita, precisamente, na estrada. Nas nacionais e nas estrangeiras. Em 2010, por exemplo, representaram Portugal no Festival Eurosonic, na Holanda. Estas aventuras além-fronteiras, “resultam em muitas coisas e, às vezes, não resultam em nada. Depende do contexto, do que vais fazer, com quem vais fazer…  No nosso caso, foram muitas experiências interessantes, em que fomos construindo algumas coisas. Acima de tudo, fomos construindo sempre possibilidades de voltar”, recorda Afonso. “O mais importante é viajares, estares com os teus amigos, levares a tua música a pessoas que não fazem a mínima ideia de quem tu és”, continua. É esse o grande desafio quando se pega na mala e se sai de Portugal: “estares a tocar para pessoas que não fazem a mínima ideia de quem tu és. É super interessante poderes fazer isso e estares com os teus amigos, a viajar”. Segundo Afonso, “são experiências difíceis de passar para quem nunca teve oportunidade de as viver: toda a dinâmica das relações muda, são muitas horas acordado, sempre com aquelas pessoas, horários muito apertados, dormir muito pouco – porque, à noite, quando terias algum tempo para dormir, vais-te divertir porque estás num sítio onde, se calhar, nunca mais vais voltar a estar na tua vida… É recomendável e é interessante. É interessante”.

Como se tudo se alinhasse, também foi a proposta de um concerto que fez com que Sean Riley & The Slowriders saíssem do botão de pausa. “Houve uma altura em que ouvi um disco da banda a tocar e comecei a pensar sobre aquilo e comecei a pensar que tinha saudades de fazer isto e tinha saudades de estar com estas pessoas com a frequência com que estava – porque é que não estamos a fazer isto?” Pouco tempo depois, “o nosso manager ligou-me a dizer que tinha tido um pedido de um concerto mas que sabia que não estávamos a tocar e que não sabia se, naquele momento, fazia sentido”. Para Afonso, foi uma espécie de sms do universo. “Disse-lhe para aceitar, “eu tenho pensado sobre isto, tenho pensado sobre a questão da banda, acho que está a passar tempo de mais sem fazermos nada e o facto de aceitarmos esse concerto vai obrigar-nos a ir para a sala de ensaios, vai obrigar-nos a passar tempo juntos, vamos viajar e isso vai ser o trampolim para voltarmos a fazer coisas novas – e a verdade é que acabou por ser assim”.

 

A mesma banda que baptizou com uma despedida o seu álbum de apresentação – Farewell (“Foi um bocado um “hello goodbye”. Mas, na altura, fazia todo o sentido que esse primeiro disco se chamasse assim”, clarifica Afonso) –, regressa aos discos no formato de um homónimo. Quase como se se tornasse evidente uma certa ideia de recomeço. Para Afonso, é mais uma forma de “acentuar essa identidade de banda, sim”. Até porque, à distância, tornou-se fácil “constatar que aqueles primeiros três discos fazem parte de um bloco de trabalho, uma espécie de ciclo, que está fechado. Agora, estamos num novo começo. Aquilo que fizemos foi o início de um novo ciclo e o facto de o disco ser homónimo é reforçar um pouco essa ideia de novo início – ao mesmo tempo que reforça a identidade da banda”.

Quem são, em 2016, Sean Riley & The Slowriders? São pequenas narrações de quotidiano, observado e descrito em passo lento, com alguma escuridão e fumarento, desfrutado à sua essência, feito de pormenores mas também de silêncios e espaços. Mas, se as canções são crónicas de um dia a dia, que vida é esta? Afonso responde citando…  Tony Carreira: “é a vida que eu escolhi. Acho que é assim que se chama o livro dele”, ironiza. No entanto, a verdade é que, como o próprio autor destas letras assume, “tenho a tendência a escrever sobre coisas que conheço: nem todas as minhas letras são 100% autobiográficas, necessariamente, mas todas partem de algo que conheço bem. É-me difícil ficcionar acerca de algo que não conheço. As nossas letras tendem a falar sobre assuntos, muitos deles universais, que se passaram directamente na minha vida ou na vida de alguém que me esteja próximo, que eu tenha conseguido tocar nessa ideia, perceber essa ideia – e só a partir daí é que começo a moldar o que quer seja que quero dizer”. Claro que não se encontram, aqui, reportagens pormenorizadas e a componente de ficção tem, necessariamente, que desempenhar o seu papel. “Contares uma história, simplesmente, da forma como ela é, de uma maneira demasiado simplista ou demasiado directa, deixa de ser interessante ou apelativa para os outros”, concorda Afonso.

Sean Riley & The Slowriders, o álbum, sucede ao mais nocturno dos registos do grupo, It’s Been A Long Night, e respira de uma parte diferente do dia: o lusco fusco. “Está ali naquela hora em que passas da noite para a manhã”. Obra de recomeço, é também o registo de novo dia. “Acho que é esse tipo de disco: desse tipo de sentimento, desse tipo de ambiente, desse tipo de atmosfera, de “e agora o que é que acontece””, elabora Afonso. A estrada volta a entrar no olhar e compreende-se que ainda há muito caminho para fazer: por isso, Lucky Luke volta a montar Jolly Jumper e segue. A viagem não vai ficar por aqui.

 

Ana Ventura Ana Teresa Ventura trabalhou na Blitz durante dez anos e hoje podemos vê-la tanto em festivais de verão cobertos pela SIC, como na sua rubrica, M de Música do programa Mais Mulher, na SIC Mulher.

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